Apesar das piedosas intenções que apontavam para a transposição antecipada das Diretivas (UE) 2015/849 (a quarta diretiva sobre prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo) e 2016/2258/UE (acesso a informações antibranqueamento pelas autoridades tributárias), o contexto político da UE e o recrudescer do terrorismo na Europa determinaram algumas indefinições e (consequentemente) atrasos nos processos de transposição.

De forma aparentemente entusiasta, o legislador português aproveitou a discricionariedade conferida aos Estados membros na transposição destas diretivas para estabelecer um regime mais exigente, em particular para as entidades obrigadas, sobretudo as não financeiras. Se sobre estas escreveremos mais adiante, sobre o regime estabelecido para as entidades (obrigadas) financeiras – por ora, com foco nas instituições de crédito e seguradores do ramo vida – podemos já retirar algumas conclusões da nova Lei nº 83/2017.

O bom: democratização da abordagem baseada no risco

Sendo uma impossibilidade prática analisar a totalidade das operações realizadas com idêntico grau de detalhe, a lei estabelece (e já estabelecia) que se dedique maior atenção e controlos aos clientes, produtos, mercados, transações ou contrapartes que representam maior risco de branqueamento ou financiamento do terrorismo. Se esta regra estava já enraizada no mercado, a lei prevê agora expressamente a utilização desta abordagem pelas autoridades setoriais no exercício da sua atividade de supervisão ou fiscalização.

Assim, o tipo, frequência e intensidade das ações de supervisão e fiscalização vai variar de acordo com o grau de risco de cada instituição, o que só se pode ter por positivo.

O mau: maior complexidade operacional

De entre as várias alterações introduzidas, as novas regras de identificação do último beneficiário efetivo e o alargamento da definição de Pessoas Politicamente Expostas (“PEP”) poderão ter um impacto significativo na atividade das entidades obrigadas. De facto, não só a nova lei exige maior detalhe na definição da estrutura de detenção de capital das pessoas coletivas, como se incluem agora necessariamente nos mecanismos acrescidos de identificação e diligência, por exemplo, presidentes e vereadores com funções executivas das câmaras municipais e membros de órgãos executivos de direção de partidos políticos de âmbito nacional ou regional, os respetivos “membros próximos da família” e as “pessoas reconhecidas como estreitamente associadas” a estes.

Embora muitas das entidades obrigadas já previssem regras idênticas nas suas operativas, em termos práticos estas alterações convertem-se facilmente num pesadelo operacional e regulatório.

O vilão: agravamento da responsabilidade

Com perto de uma centena de contraordenações previstas e com a generalização da punibilidade da tentativa e negligência, prevendo ainda a punibilidade de Colaboradores e membros de órgãos de Administração ou Fiscalização de entidades obrigadas (mesmo se com pelouros diversos), a nova lei é precisa e detalhada a legislar (ou, em certa medida, regulamentar) e ainda mais exaustiva a sancionar.

Ora, num contexto em que a avaliação de qualificação e idoneidade se tem verificado progressivamente mais exigente por parte dos supervisores financeiros, estima-se que esta alteração de paradigma se reflita, também, na cultura de gestão das entidades obrigadas. Porque, como diz o ditado, “podemos escolher que semear, mas devemos colher o que semeámos”.