A União Europeia procurou sempre a segurança jurídica no direito internacional privado e legislou através de regulamentos comunitários com aplicabilidade direta em todos os Estados- membros, evitando desse modo a utilização de diretivas que obrigam à transposição das normas jurídicas comunitárias e inevitáveis margens de interpretação das mesmas.

Com o início do ano, as normas europeias deixaram de se aplicar e de regular os contratos estabelecidos entre as empresas sedeadas na União Europeia e no Reino Unido. Quer isto dizer que um empresário português que tem contratos de fornecimento de bens ou serviços com o Reino Unido deve lê-los ou relê-los com muita atenção, a fim de perceber se contratualizou alguma «cláusula de hardship», cláusula essa que permite a renegociação de um contrato quando ocorre uma alteração substancial do equilíbrio do mesmo, provocada por fatores sociais, políticos, financeiros, tecnológicos ou outros, e que pode acarretar, para uma das partes, danos não previstos aquando da assinatura e inicio do contrato.

Se o empresário não contratualizou nenhuma «cláusula de hardship», deverá, no entanto, rever todo o clausulado, nomeadamente o que se prende com a competência judicial internacional (qual o tribunal ou foro habilitados em caso de litígio) e respetiva lei aplicável (qual a legislação que resolve eventuais conflitos emergentes).

Até ao fim de 2020 vigorava o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento e do Conselho Europeus, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária e ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. Nele se fixavam as regras para a determinação do tribunal competente, se o demandado estivesse domiciliado num Estado-membro.

Além disso, trouxe o reconhecimento e a execução de decisões judiciais proferidas em processos transnacionais, e suprimiu o procedimento de «exequatur», o qual permitia ao devedor contra o qual se procurava obter a concretização de uma sentença, requerer ao tribunal a recusa do procedimento de execução. Havendo uma sentença com força executória, proferida num Estado-membro da União Europeia, pode-se recorrer às autoridades de execução de outro Estado-membro onde, por exemplo, o devedor possua bens, sem ser necessário qualquer procedimento intermédio de validação do título executivo.

O Reino Unido continuará a aplicar a Convenção da Haia de 30 de junho de 2005 sobre os Acordos de Eleição do Foro, no que respeita os contratos de natureza internacional. Quanto às cláusulas contratualizadas de escolha do foro em matéria civil ou comercial, remeter-se-á ao anteriormente acordado nos contratos quanto à jurisdição. Porém, tal já não se verificará quando os contratos forem omissos, uma vez que a competência então recairá sobre os tribunais ingleses, que fixarão a lei aplicável e as obrigações contratuais.

De fora ficarão as normas que regulam a lei aplicável aos divórcios e separações legais, as obrigações de alimentos decorrentes de relações familiares, parentescos, casamentos ou afinidades, os testamentos e sucessões, incluindo as obrigações de alimentos resultantes de óbitos, falências, concordatas e processos análogos.

O direito internacional privado procura a segurança jurídica, isto é, tenta subordinar as relações e o comércio internacional a um regime único, encontrando uma forma de evitar que ambos fiquem sujeitos à influência das normas imperativas de cada país, o que impossibilita a realização de negócios. Nesse sentido, podem os contraentes decidir livremente a escolha da «lex mercatoria», ou seja, da lei (do Direito) que pretendem aplicar aos contratos comerciais a que se vinculam quando os ditos contraentes pertencem a sistemas jurídicos distintos.

Mas, há que dizê-lo, a realidade é que a generalidade dos contratos internacionais das grandes empresas encontra-se submetidos ao direito inglês, e os empresários, na sua esmagadora maioria, preferem o ordenamento jurídico britânico. Porque se trata de um direito que respeita o contrato e as cláusulas nele vertidas. Não inventa interpretações, tipo ser o Juiz a procurar interpretar o pensamento do autor do contrato, desfazendo o contratualizado.

Não há bola de cristal: toda e qualquer intervenção judicial na interpretação de um contrato é meramente residual, e respeita-se as suas cláusulas. Os juízes não alteram contratos. E os empresários sabem muito bem que a segurança jurídica e o respeito da autonomia da vontade contratual encontram-se amplamente salvaguardadas no direito inglês.

As regras mudaram, é um facto indesmentível, e cientes estamos de que todos os contratos anteriores a 31 de dezembro de 2020, independentemente da sua forma e conteúdo, podem vir a ter consequências nefastas para os empresários portugueses.