As escutas ao anterior primeiro-ministro. O que acrescentar, em quem acreditar? Começo pelo evidente: é um facto que uma parte do Ministério Púbico (MP) exerce o seu poder livre de qualquer controlo, limite e até decência. O extraordinário é que, paradoxalmente, este impulso destrutivo reforça todos aqueles que querem domesticar a investigação judicial e desejam um MP fofinho. Os abusos são, portanto, algodão doce, são o pretexto ideal.
Muito a propósito, entre os signatários do Manifesto dos 50 — o tal que defende uma reforma da Justiça — encontro, entre pessoas de grande valor e seriedade, um par (não mais) de infiltrados; estou a pensar em gente que se passeia pelos salões e continua a enriquecer à custa do país; o tal polvo bem-falante que usa todos os meios ao seu alcance, até fazer-se de inocente cordeirinho, para entorpecer a justiça e alimentar-se de um Estado que distribui rendas e prebendas.
Estamos, portanto, em guerra civil. De um lado, os que abusam do poder judicial, que deveriam exercer com diligência e independência; do outro, os que querem escapar a qualquer controlo e se fazem de vítimas da fome e vilanagem. Pelo meio, alguns jornalistas fazem o jogo de ambos, dando palco a uns e a outros, aproveitando-se do elixir da polémica e assim fazer carreira. Cinquenta anos depois do 25 de Abril tornámo-nos nesta caricatura de país. Confundimos justiça e liberdade de imprensa com a publicação de meias-verdades, ou até de mentiras cerzidas com a manipulação do costume.
As redes sociais. Falta esse condimento de cretinice universal. Hoje, a opinião informada tem o mesmo valor daquela que é esguichada por um troglodita qualquer. Vivemos no domínio do absurdo. O direito à opinião confunde-se com o disparate. Diz o velhinho livro de estilo do “Público”: achamos demasiado, é melhor pensar. Infelizmente, o pensamento perdeu valor — reina o achismo.
A nobre ideia de igualdade, base de qualquer democracia, foi subvertida e abastardada. O que o ignorante regurgita tem hoje um peso idêntico à reflexão de um intelectual. Digamos que vivemos no admirável mundo da crítica gastronómica: tudo serve de repasto para o faustoso banquete da opinião imbecil onde a justiça é o canapé de eleição. Daí também a importância do MP, que não deveria servir de pasto à desinformação.
O saudoso Vasco Pulido Valente disse certa vez que os bordéis não se reformam por dentro. Talvez ele tenha razão. Ainda assim, seria fundamental que o MP e os média o fizessem. Temos de expurgar este veneno que contamina o poço de onde bebemos.