Há uns dias, um amigo que costuma partilhar comigo algumas coisas sobre a actualidade enviou-me um vídeo que alguém postou no Facebook. A autora do vídeo é uma mulher, nos casa dos 40 anos, cabelo longo, escuro e ondulado, voz doce e discurso organizado. Decidiu fazer um vídeo, ao que parece, contra a progressão das mentiras por parte dos Estados em relação à pandemia.

Digo que parece, pois não cheguei a perceber bem qual era o seu intuito final. Do discurso que parecia bem estruturado, da voz bem colocada, saíam uns argumentos falaciosos que começavam na reinterpretação de factos históricos, passando por saltos de raciocínio que se anulavam pelo ar, terminando em lógicas que apelavam ao divino.

Enfim, é uma destas pessoas anti-vacinas, das poucas que existem em Portugal mas uma das muitas imbuídas de teorias da conspiração, e daquelas que divulgam informação parcial e sem cariz científico.

Curiosamente, ao mesmo tempo que ia ouvindo aquela mulher, passavam na televisão notícias sobre o regresso dos Talibãs ao poder no Afeganistão. O movimento fundamentalista islâmico nacionalista, que teve origem em meados dos anos 90 do século passado no Afeganistão, depois de ter estado adormecido para as notícias ocidentais durante 20 anos, volta em força com a retirada dos EUA do território afegão.

Lembrei-me, assim, do Verão de 1998 quando, em Agosto, os Talibãs queimaram mais de 55 mil livros. Os ataques à História e à Cultura da Humanidade não se ficariam por aí, os Budas de Bamiyan também seriam vítimas dos Talibãs. O terror que se desenvolveu no país, os ataques, sobretudo a meninas e mulheres, estão ainda presentes na memória de muitos de nós.

São os herdeiros dessa ideologia e filosofia que regressam agora ao comando do Afeganistão. Mas além deste constante ataque aos Direitos Humanos, que será certamente o mais gravoso de toda aquela situação, além da elite corrupta que grassou nos últimos anos no país, além da justiça ou não da intervenção militar dos EUA no pós 11 de Setembro… Além de tudo isso, eu só pensava como aquele vídeo de “uma anti-vacinas”, uma mulher ocidental, se ligava a este terror que o território e as suas populações viveram, e certamente irão viver.

A História do ser humano é uma história de superação, de avanços e recuos, muitas vezes delineada por interesses que nos são invisíveis.

No Afeganistão, o interesse em dominar o território junta-se na corrente da produção e venda, com bastantes lucros, do ópio. No Ocidente, os anti-vacinas atiram para o lixo anos e anos de investigação científica em nome de teorias da conspiração. No final do dia alguém ganhará com estas e outras narrativas, que se consideram especiais, que se consideram certas, porque alinhadas com minorias de iluminados. E eu pergunto novamente aqui, neste espaço de opinião: independentemente das dinâmicas que os factos políticos e sociais ganham, a quem servem estas divisões?

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.