Sorria, está a ser vigiado! É possível que não seja novidade para si. E é provável que se lhe perguntarem se valoriza a sua privacidade, a resposta seja afirmativa. No entanto, confrontado com a decisão sobre conceder acesso aos seus dados para poder utilizar certos serviços, conforma-se e diz que sim.

Pode deduzir-se que para si a privacidade não é assim tão importante? Provavelmente não. O que o leva a decidir desta forma é sentir que não tem alternativa e não quer ficar de fora das possibilidades que a tecnologia proporciona. E, assim, os dados sobre o seu percurso na Internet, as suas pesquisas, as suas compras, o seu jogging, os seus trajetos de carro, a sua localização, as suas conversas nas redes sociais, entre outros, são por si cedidos às empresas que lhe prestam esses serviços (às vezes gratuitamente), autorizando-as a cedê-los a outras empresas e até a combinarem todos os dados sobre si.

Sabemos que há um próspero negócio com base nos nossos dados. A valorização de empresas que detêm dados fala por si. A Alphabet, dona da Google, atingiu um valor de um trilião de dólares de capitalização há dias. O Linkedin foi adquirido por vinte e seis biliões de dólares e o WhastApp por dezanove.

Os nossos dados começaram por ser recolhidos para melhorar a publicidade que nos é dirigida. Contudo, a recolha e tratamento de informação sobre nós está hoje muito para além do negócio da publicidade ou até da Internet. Diversos setores da economia acedem, recolhem e utilizam dados sobre os utilizadores de forma a preverem os seus comportamentos.

Durante os últimos vinte anos, a recolha e o tratamento de dados foi feita sem regulação relevante e um conjunto de empresas assimilou substanciais quantidades de informação sobre os seus clientes sem que houvesse leis eficazes nem escrutínio. A recente entrada em vigor do RGPD tem sido vista como um bom começo. Todavia, quando a escolha é ceder ou ficar de fora, o utilizador é, na verdade, “coagido” a autorizar, pelo que esta não resolve o problema de fundo.

Muitos têm pedido a intervenção das autoridades de concorrência. As regras de concorrência permitem endereçar temas de recolha e utilização de dados quando estes suscitam questões de exploração de clientes, exclusão de concorrentes, discriminação de preços, criação de barreiras à entrada, entre outras.

A autoridade da concorrência alemã (Bundeskartellamt) foi pioneira, mas controversa, com a decisão de proibir o Facebook de combinar dados dos utilizadores recolhidos nesta aplicação com os dados recolhidos noutros serviços da empresa, como o WhastApp e o Instagram, e em sítios de Internet de terceiros, sem o consentimento voluntário do utilizador. A decisão foi, entretanto, suspensa por um tribunal alemão, mas o assunto está longe de estar encerrado.

As questões de concorrência não são, porém, as únicas que se colocam e talvez nem sejam as mais complexas. Shoshana Zuboff, da Harvard Business School, publicou recentemente um trabalho (The Age of Capitalism Surveillance) em que alerta para o facto de o negócio da previsão dos nossos comportamentos ir inevitavelmente evoluir para o negócio de os determinar.

Com base nos dados disponíveis sobre os utilizadores, serão criadas as variáveis que os levam a tomar decisões. As implicações são profundas e entrecruzam temas de liberdade económica, mas também de liberdade individual, de autodeterminação e até de funcionamento do sistema democrático.

A publicação de leis, proibições em larga escala e até a criação de impostos sobre a recolha e as transações que envolvam dados têm sido propostas por alguns. O tema é complexo e não é claro qual a resposta mais adequada. Mas é inegável a necessidade de uma reflexão profunda sobre o lugar onde nos leva o caminho da atual recolha massiva de informação.

É certo que há benefícios e eficiências, mas também perigos reais e sistémicos. E a forma como tratarmos do tema agora moldará a sociedade em que viverão as próximas gerações.