1. Não me lembro de uma campanha eleitoral para a Presidência da República tão limitada nas escolhas. Marcelo Rebelo de Sousa não vai, provavelmente, chegar aos números de Mário Soares em 1991 (70% de votos na reeleição) mas mal andaria o país se ele não ganhasse esta eleição à primeira volta e com facilidade. A concorrência é fraca, tanto à esquerda (pese os esforços de Ana Gomes, pessoa por quem tenho respeito de cidadania) como à direita.

A função em Belém exige experiência de vida, cultura, capacidade política, desprendimento em relação a ambições futuras, conhecimento do país e das pessoas, equilíbrio e capacidade para moderar consensos – e ele, MRS, é o único dos candidatos que preenche as condições. O resto, como se tem visto, é arena política, agenda partidária, marcação de terreno, soundbites de ocasião, folclore.

2. Esta campanha, do ponto de vista das personalidades em presença, é uma das mais pobres de sempre, talvez só a par da já referida de 1991, em que a alternativa a Mário Soares foi protagonizada por Basílio Horta e da de 2001, em que a reeleição de Jorge Sampaio foi disputada contra Ferreira do Amaral. Ambos os casos provam, aliás, que uma presidência forte condiciona muito o quadro dos candidatos na corrida à reeleição e faz descer o perfil dos opositores.

Mas, mesmo assim, dando já esse desconto, o que se está a ver na atualidade também é demais.

Nada a ver com a disputa pessoal e ideológica de 1980 (a reeleição de Ramalho Eanes, 56%, contra Soares Carneiro, 40% – uma ‘invenção’ de Sá Carneiro); de 1996 (Jorge Sampaio, 53%, versus Cavaco Silva, 46%) ou qualquer das outras. Basta lembrar que Cavaco Silva chegou a Belém, em 2006, enfrentando Mário Soares e Manuel Alegre; que Mário Soares, antes, em 1986, na mais emocionante corrida eleitoral de sempre em Portugal, ultrapassou Freitas do Amaral à segunda volta (51,18% contra 48,82 % – e ainda ficou pelo caminho Salgado Zenha, homem com dimensão de Estado); e que Marcelo Rebelo de Sousa teve como opositor Sampaio da Nóvoa, académico ilustre e cidadão nobre.

Não há como negar: esta campanha, em termos políticos e das personalidades envolvidas, será para esquecer rapidamente.

3. Para quem gosta de História, o fenómeno André Ventura não é novo em Portugal. Na extrema-direita, é um sucedâneo do que foi Otelo Saraiva de Carvalho na extrema-esquerda.

Otelo, antes de ser preso e condenado, na sequência de crimes de sangue das chamadas FP-25, também concorreu, ainda como ‘herói de Abril’, às (primeiras) eleições presidenciais. Em 1976, teve 16%; segundo, contra Ramalho Eanes (61%) e à frente de Pinheiro de Azevedo (14%). Quatro anos depois, nas Presidenciais de 1980, os portugueses reduziram-no a 1%.

André Ventura, tal como Otelo então, é um produto do tempo, mas só por histerismo se pode afirmar que representa um perigo tão real quanto o antigo militar representou.

Otelo, o maior populista que Portugal já conheceu, bateu-se por uma ditadura comunista. Ventura cavalga, em termos absolutamente democráticos, um descontentamento que os partidos do poder, PS e PSD, criaram à volta dos sucessivos escândalos de corrupção. Só um cego não percebe que a agenda de Ventura resulta da incapacidade do regime, da colonização do Estado pelos partidos dominantes e da criação de áreas demarcadas nos grandes negócios.

O fenómeno André Ventura, como foi Otelo, é uma excelente oportunidade para os portugueses se definirem, colocarem pressão no regime, mas no final perceberem o valor do bom-senso e da moderação como mola da evolução de Portugal no quadro da União Europeia, a criação política mais fantástica do mundo moderno.