1. A Padaria Portuguesa, assim se chama, não é a única empresa nacional a enfrentar dificuldades mas distinguiu-se publicamente pela crítica ao plano de ajuda do Governo à economia e pela lamúria quanto à sua própria capacidade para continuar a pagar os ordenados aos trabalhadores nestes tempos de crise.
Quero começar por dizer que respeito muito esta empresa, como qualquer outra, e que sobretudo respeito as dificuldades que enfrenta. A Padaria tem todo o direito de lutar pelos seus interesses, de reivindicar apoios, de dar sugestões ao Governo para que este possa cumprir melhor as respectivas obrigações perante a comunidade nesta crise inédita e violenta. E só espero que a empresa consiga rapidamente ultrapassar o mau tempo, retomar a atividade e cumprir com os trabalhadores.
Dito isto…
2. Há nove anos, a Padaria Portuguesa começou por ser uma ideia original na cidade de Lisboa. Depressa ascendeu à categoria de um caso de sucesso. Há precisamente um ano, o seu administrador executivo apresentava como “grande objetivo” para o triénio 2020-2022 o crescimento em 40% da sua receita global. Dizia esperar alcançar um volume de negócios de 65 milhões de euros até 2022. Falava da expansão da rede da empresa em três vetores fundamentais (o que estava a cumprir até à explosão da pandemia de covid-19) e mais tarde anunciaria mesmo a expansão internacional, para os Estados Unidos.
A Padaria Portuguesa, com 60 lojas, mais de 1.200 trabalhadores, produção própria centralizada e cliente de outras do mesmo ramo, não se queixava então de ser uma empresa de “mão de obra intensiva” nem dava muita importância ao facto de desenvolver a atividade num “negócio de margens baixas”, consequência “da pesadíssima carga fiscal existente em Portugal”, o que já então era tão verdade como hoje.
3. O meu ponto é este: não se pode ser liberal em tempo de vacas gordas e virar socialista quando a crise bate à porta. Não me parece normal que A Padaria Portuguesa anuncie a falta de dinheiro para pagar ordenados já em abril. É suposto que uma empresa “de sucesso” tenha alguns capitais próprios para ultrapassar problemas de tesouraria pontuais, de dois ou três meses. Ou, pelo menos, que disponha de capacidade para resolver o problema no diálogo com a banca e depois de anunciar as medidas de contenção necessárias – o lay-off, por exemplo. Não faltam por aí casos de empresas que o estão a fazer desse modo e esse deveria ser o paradigma. Os gestores servem para isso e não apenas para aparecerem em fotos bonitas em momentos de propaganda.
4. O mês de abril vai trazer-nos o terceiro e, esperamos todos, o último período de estado de emergência. Em maio, de acordo com os planos de retoma de atividade a ativar nos diversos países, seguindo os princípios gerais enunciados pela Comissão Europeia, a economia irá voltar a arrancar. Os diversos setores, com certeza cumprindo orientações de ocupação diferentes do espaço em consonância com as autoridades de saúde, irão reabrir ao público. A economia voltará a funcionar, como necessitamos, sendo que a velocidade de recuperação será diferente em cada área, incorporando os novos hábitos dos consumidores, que certamente os haverá. Para amparar e catalisar este regresso, venham os apoios – do Governo, da Europa, de uma banca mais social. São imprescindíveis.
O que esta crise não pode deixar de recomendar aos gestores é que tenham cuidado na forma como alavancam o crescimento das empresas – menos crédito, mais capital próprio, cuidado redobrado nas decisões de alargamento de rede. Se há sucesso, é nessa altura que se deve pensar no futuro. Crises sempre haverá. Sobretudo para quem escolher viver no fio da navalha.