Estamos habituados a ver o primeiro-ministro António Costa a ter uma postura cerebral, objetiva e mesmo calculista, sem nunca perder o sangue-frio, mesmo nas situações mais sensíveis.

Assim, foi inesperado o ataque que desferiu, ao acusar três destacados militantes do PSD de cabala e de montarem uma campanha internacional contra Portugal, a lembrar o estilo socrático de transformar em ataque pessoal qualquer crítica ou escrutínio democrático.

Tudo a propósito do caso do Procurador Europeu em que legal e factualmente está provado que o Governo mentiu ao Conselho da União Europeia, ainda por cima, no exato momento em que Portugal assume a sua presidência.

Inequivocamente, o Regulamento 2017/1939, que instituiu a Procuradoria Europeia, refere no seu artigo 16º que cada Estado-membro designa três candidatos para o cargo de Procurador Europeu e um comité de seleção regulado pelo Conselho, com base numa proposta da Comissão, adota uma lista restrita de candidatos para o cargo de Procurador-Geral Europeu, da qual apenas um deverá ser selecionado e nomeado pelo Conselho.

Portugal não tinha, assim, qualquer liberdade para escolher o seu membro na Procuradoria Europeia. E percebe-se que assim seja, porque este organismo atuará em processos onde os intervenientes serão nacionais, pelo que o Conselho tem de estar estreitamente associado ao processo de nomeação.

Ora, e talvez por isto mesmo, dadas as ligações perigosas já estabelecidas e provadas, o que se assistiu foi à perversão deste processo com o Governo a manipular, de forma fraudulenta, mentirosa e descarada, o currículo do Procurador José Guerra.

E o caso ganha proporções ainda mais alarmantes quando a maior força política do Parlamento Europeu, o PPE, solicita à Comissão Europeia que intervenha no caso da nomeação do magistrado português para a Procuradoria Europeia, por violação do dever de cooperação leal e ameaça do Estado de Direito.

É normal que tendo a Presidência Portuguesa do Conselho começado com este verdadeiro escândalo, António Costa acuse desnorte.

Porém, a verdadeira razão desta desorientação radica-se mais fundo.

Devido à pandemia estamos mergulhados, a nível económico, social e sanitário, num novo pântano e num verdadeiro lodaçal de que António Costa, à semelhança de Guterres, quer fugir.

Sabemos que Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, termina o seu mandato em maio de 2022, altura em que Costa o pretende substituir. Mas para isso, precisa, desesperadamente, que a Presidência Portuguesa lhe corra muito bem, o que não está a acontecer, gorando-lhe os planos de fuga dos destinos do país.

Percebe-se, assim, o seu desnorte e desespero, que o leva a inventar, a despropósito, uma cabala internacional, um crime de lesa-pátria, na verdade não contra Portugal, mas contra as suas aspirações de ser o próximo Presidente do Conselho Europeu em 2022.