Foi extraordinário ver António Costa ocupar todo o espectro político, da esquerda à direita, durante a greve dos camionistas de matérias perigosas. O que primeiro fez foi encarregar-se em resolver o problema do abastecimento em si. Para tal, mobilizou o exército e a GNR. Como se sabe, nada mais grato às populações conservadoras que mandar umas fardas a resolver desacatos. Um homem em uniforme é um homem em armas, venha o primeiro a opor-se que logo verá. Depois, num movimento muito aplaudido pelo CDS – o partido parlamentar mais à direita – definiu serviços mínimos a… 50% .

Não contente, e para aplauso geral do povo em férias, decretou a requisição civil. Pelo meio, despachou ministros e comentadores que oscilavam entre “o respeito incontestável pelo direito à greve” e a importante distinção que “o direito à greve não é um direito absoluto” para, logo de seguida, abordar a imperativa “revisão da lei da greve”, argumentando, entre outras coisas, que a mesma data de 74 e que “os tempos eram outros” e o entusiasmo “revolucionário”.

Com isto, juntou ao partido das “contas certas”, que não deu pão p’ra malucos na coisa dos professores, a ideia de que o PS é também o partido da “ordem pública”. Mas, não contente com ter secado todo e qualquer argumento dos partidos à sua direita, António Costa resolveu também satisfazer o PCP, partido sorumbático à sua esquerda, que vem decaindo regularmente no voto popular e na influência sindical.

Portanto despachou um homem do PS, ex-autarca, para desancar no sindicato dos motoristas como porta-voz da Antram e também para promover o “diálogo” com a FECTRANS, um sindicato à moda antiga afeto à Intersindical e ao dito PCP. Não se sabe com que benesses, conseguiu o seu acordo e, de um só golpe, devolver à Intersindical e ao PCP o papel de único interlocutor sério e profissional em matéria de greves. Com isto, dividiu a classe e estabeleceu o seu império. O império de um político pragmático que tanto se serve da GNR como do PCP para resolver uma greve que, sendo embora incómoda, era também legal e legítima.

Mas, a história não acaba aqui. Quebrada a espinha a quem ousou exercer o seu direito – ou talvez não, sabe-se lá –, com todos arregimentados na sua luta e após ganha a batalha, a boa fortuna sorriu, mais uma vez, a António Costa. À extraordinária capacidade de cooptar forças e ideias políticas da direita à esquerda, o nosso primeiro-ministro viu agora o “Financial Times”, não propriamente uma publicação de esquerda, atribuir a Portugal o papel de “esperança inesperada” da Europa. A Itália racista de Salvini, a França desigual de Macron, a Espanha de Sánchez, do desemprego e do separatismo, a Grã-Bretanha de Johnson e do Brexit, a Hungria de Órban, a Áustria e o seu menino de direita, a Polónia e o seu injusto Partido da Justiça e a Alemanha do ocaso de Merkel e da recessão… toda a Europa, tem que vir beber a Portugal e ao seu iluminado primeiro-ministro da sabedoria e “good fortune” que dele fazem um modelo a ser seguido…

Como nada há a apontar – défice a zero, bancos estabilizados, criminalidade baixa, investimento privado em alta, desemprego em baixa – resta ao “Financial Times” recomendar a António Costa saber o “que quer para o futuro e ter uma estratégia clara”. Daqui do meu cantinho é tudo muito simples: mais do mesmo e siga o baile que o homem é de confiança.

E é assim que não há nada como um partido de centro-esquerda para exercer políticas de direita e de cabeça levantada. É que a direita anda muito ocupada com temas ainda mais à sua direita para se ocupar do verdadeiro e importantíssimo espaço do centro político. Esse é de António Costa.