Esta semana, ao entregar uma das minhas colunas no Brasil, o editor perguntou-me com curiosidade genuína: “Afinal, o que é o Chega?”
A pergunta é legítima. E a resposta, complexa. O Chega não é apenas mais um partido político: é o reflexo português de um movimento global. É a nossa versão da reação populista que se instalou nos últimos anos em vários países — dos Estados Unidos à Hungria, passando por Espanha e, claro, pelo Brasil. Liderado por André Ventura, o partido ocupa hoje o terceiro lugar no Parlamento português, reconfigurando o espectro político da direita com um discurso que combina moralismo, ressentimento social e hostilidade declarada ao sistema político tradicional.
Mas como se classifica o Chega? É extrema-direita? Direita radical? Ultradireita? A resposta é: tudo isso e um pouco mais. O Chega partilha do ADN dos partidos da extrema-direita europeia: mobiliza o medo da insegurança, dramatiza a crise migratória, romantiza o passado e apela à autoridade. Rejeita os rótulos que o aproximam do fascismo, mas utiliza os mesmos instrumentos de agitação — ataques constantes às instituições, simplificação de problemas complexos e culto da liderança forte. É mais próximo do Vox espanhol ou da Reunião Nacional de Marine Le Pen do que de qualquer força conservadora tradicional.
Aos brasileiros, o Chega lembra imediatamente o bolsonarismo. E sim, há afinidades. Ambos os movimentos se nutrem da polarização, atacam a imprensa, rejeitam consensos institucionais e erguem uma ideia de pátria ameaçada que exige mão firme. Mas há diferenças relevantes: o bolsonarismo nasce da caserna e das igrejas neopentecostais, enquanto o Chega se constrói com uma retórica mais secular e europeia. Ventura cita Camões e Charles Maurras antes de prometer “endireitar Portugal”. Uma raiva com verniz clássico.
Do ponto de vista económico, o Chega é liberal no papel e contraditório na prática. Propõe redução do Estado, mas exige aumento de efetivos policiais. Quer menos impostos, mas multiplica promessas sociais. Ataca o “sistema”, mas defende um Estado punitivo e centralizador. A sua proposta económica é, na essência, a moralização da política pública através da autoridade e da ordem.
Nasce do vazio deixado por partidos tradicionais que se afastaram das bases. André Ventura interpreta o mal-estar social com talento — simplifica o complexo, dramatiza o comum e oferece indignação onde faltam respostas.
A pergunta central é: até onde pode ir o Chega? A resposta está nas mãos dos outros partidos — e na maturidade da sociedade portuguesa. Estratégias de exclusão moral ou institucional tendem a ser ineficazes. Só políticas públicas transformadoras, discursos menos arrogantes e uma renovação autêntica do centro político poderão conter o avanço dessa força que veio ocupar o lugar vazio da representação.