É preciso que a memória não seja curta, ou a amnésia selectiva: os que hoje golpeiam ou apoiam o golpe de Estado contra o povo venezuelano são os mesmos que em 1973 apoiaram o golpe fascista de Pinochet no Chile de Allende, de Neruda e da Unidade Popular.

E não julguem alguns que podem ficar oportunisticamente, face ao rolo compressor da onda mediática golpista, sentados em cima da ponte, no dilema Revolução Bolivariana versus Império do norte. Que é o que significa afirmar não escolher entre Maduro e Trump. Que se lembrem se poderiam não ter optado por Allende. Ou, mais lá para trás, optar pela «neutralidade» da França e Inglaterra no avanço do fascismo contra a República Espanhola. Ou em dias próximos, dizer como alguns disseram, “Nem Dilma nem Temer, eleições!”

Há diferenças. O imperialismo norte-americano não conseguiu, até hoje, convocar as forças armadas bolivarianas para afogar em sangue e repressão o povo da Venezuela, como fez no Chile. Mas não foi por falta de tentativas, a começar pelo golpe militar contra Chávez de 2002.

Mas tudo o resto é um filme bem conhecido encenado e desenvolvido pela CIA & C.ia. E é absolutamente espantosa a credibilidade ou a hipocrisia com que tanta boa gente repete chavões e refrões de letras e músicas do disco rachado de todos os golpes e subversões do imperialismo norte-americano, incluindo na história da América Latina do século XX.

Faltam alimentos, e os que choram lágrimas de crocodilo com a fome dos venezuelanos, são os mesmos que aplaudem o cerco e bloqueio económico e financeiro, a confiscação ilegal de bens e recursos financeiros da Venezuela pelo imperialismo e comparsas, com sabotagem da importação de bens de primeira necessidade pelo Estado Venezuelano.

Faltam medicamentos, e os que invocam a urgência de uma intervenção humanitária são os mesmos que nada dizem sobre o boicote da compra pela República Bolivariana, inclusive pela chantagem sobre empresas farmacêuticas, dos fármacos destinados a doentes oncológicos, diabéticos ou necessitados de diálise.

Falam de democracia e mentem. Mentem com quantos dentes têm, sempre confiantes na máxima de Goebbels, de que a mentira repetida se faça verdade, sobre as muitas eleições realizadas com Chávez e Maduro, sobre o sistema eleitoral e a liberdade de imprensa na Venezuela.

Mentiras sobre a última eleição presidencial, antecipada para 20 de Maio de 2018 por exigência da oposição e seguida por mais de 150 observadores internacionais, confirmando que “as eleições foram muito transparentes e conformes às normas internacionais e à legislação nacional”. Mentiras quando transfiguram a subversão terrorista interna apoiada e paga pelos EUA em forças da democracia e da liberdade.

As dificuldades, contradições, problemas da Revolução Bolivariana, em grande medida fomentados pelo imperialismo e por forças internas que nunca se conformaram com a vitória de Chávez e da Revolução, não podem ser transformados em razões para a destruir, nem para transformar em aliados os que, de fora e de dentro, sabotam a República Bolivariana. Os interesses soberanos do povo da Venezuela exigem, pelo contrário, a defesa da sua Revolução.

Pretendem continuar a rasgar as “veias abertas” das terras de Bolívar e Sucre, de Sandino e Zapata e Pancho Vila, de Luís Carlos Prestes e Fidel, de Guevara e tantos outros combatentes pela soberania e liberdade dos seus povos.

Depois da viragem à direita na Argentina e no Chile, depois do golpe no Brasil que destituiu Dilma e impediu Lula, pela prisão, de se candidatar, abrindo para o golpe maior da eleição de Bolsonaro, o imperialismo achou azado o momento.

Reconstituído o arco de governos da Operação Condor (agora baptizados de Grupo de Lima), o imperialismo decidiu avançar. E a toque de caixa lá vai a sucursal da Europa, a União Europeia, dirigida por Merkel, Macron e May. Nada os ensina, porque é da sua natureza imperialista. Assim foi com a Jugoslávia, o Iraque, a Líbia, a Síria e tantos outros crimes!

Lá vão, cantando e rindo, com Trump e Bolsonaro para defender a democracia na Venezuela. Na Arábia Saudita, a defesa da democracia passa pela venda de armas e visitas de amizade eterna de Trump e Merkel, de Sánchez e Macron.

E o que faz, para vergonha nossa, Portugal nessa caterva de salteadores da soberania dos povos? Vale tudo? Vale pois, como diz, o ex-marxista-leninista-maoista, e fundamentalmente anticomunista, Vicente Jorge da Silva, “por vezes, não há soluções quimicamente puras para ultrapassar becos sem saída” (Público 03FEV19) e logo, o golpe de Estado, a invasão militar, o apelo à subversão das forças armadas, podem ser necessários como foram no Chile.

Mesmo se o sangue jorrar do coração aberto de um povo. Mesmo se for para montar uma tenebrosa ditadura! Tudo em nome da democracia… e, naturalmente, do petróleo!

E de cambulhada com essa tropa alinhada, mas fandanga, contra a Constituição Portuguesa, contra o Direito Internacional, contra a ordem internacional da Carta da ONU, lá vão António Costa disfarçado de Durão Barroso e Augusto Santos Silva de Martins da Cruz. Lá vão, para vergonha nossa! Se amanhã “Chover em Caracas” saberemos a quem pedir contas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.