Um dos maiores desafios a que o país estará sujeito, nos próximos anos e provavelmente décadas, é a desertificação do território e o subsequente risco de agravamento de assimetrias que ameaçam a coesão territorial. Não é um tema fácil. Não se resolve de um dia para o outro e carece de um amplo entendimento político, porque não se compadece com o habitual ciclo político de quatro anos. Há que pensar o território, a longo prazo, porque nunca as assimetrias regionais foram tão evidentes e gritantes como agora.

Vamos por partes. Hoje, o Interior só tem fogos, barragens, aterros sanitários, torres eólicas e pouco mais. O Interior não tem lobbies. No Interior, não há uma voz que o Terreiro do Paço ouça. O Interior, que refiro, tem fronteiras difusas e definha com o tempo. Viajar hoje pelo Interior é sentir, na retina, a cartografia do abandono, da agonia e da morte lenta. Continuamos, ano após ano, sem sinais claros de descentralização, mas com sinais bem evidentes de esquecimento e desinvestimento no Interior.

Hoje ainda podemos discutir como alterar o metabolismo do território e utilizar os instrumentos políticos de promoção da coesão territorial. Daqui por uns anos, não falaremos de metabolismo, falaremos de autópsia. Na verdade, não cuidamos bem do território e com o que iremos entregar às próximas gerações, decerto não ficaremos bem na fotografia. Esta questão é, como já referi, supra partidária. Não existe nada que nos diga como vai ser o território daqui a dez ou 20 anos. Não temos plano A nem B. Não temos nada.

Após os dois grandes incêndios de 2017, a economia das regiões afectadas recuou dez a 20 anos. Ainda hoje muitas empresas não reabriram e muitas outras reduziram significativamente o número de trabalhadores. O Estado não foi justo nem solidário. E este tema já não merece directos em prime time. Os incêndios apenas agravaram o abandono e o esquecimento que já vinham de trás.

Vejamos alguns exemplos: o IC6 que devia ligar o IP3 a Oliveira do Hospital, na verdade não liga. Porque termina abruptamente nuns pinheiros, cerca de 13 kms antes. Infelizmente não é Photoshop, é a realidade. O IP3, ano após ano, continua a ser um matadouro alcatroado em forma de estrada. Em Beja, o transporte ferroviário não é digno desse nome. Na Lousã, há cerca de nove anos foi desmantelada a ligação ferroviária a Coimbra, condenando as pessoas a uma estrada (N17) com dezenas de curvas, sempre em obras e com aluimentos constantes. Não teria sido melhor substituir apenas o material circulante e modernizar a linha férrea de forma faseada?

Mais uma vez o Estado boicota o Interior. Nestes e em tantos outros casos. Não é só trágico, também é triste.

Os jovens poderão ser os agentes de mudança, quando perceberem que há uma diferença entre sobreviver (na capital) e viver (noutro lado qualquer). Respeitando, naturalmente, o direito de cada um viver onde quer, a verdade é que hoje quase não há emprego qualificado no Interior. Aos jovens licenciados e mestres nada mais resta que viver em Lisboa ou eventualmente no Porto. E terem uma renda de casa quase igual ao vencimento que auferem. O Estado apenas tem que dar condições mínimas às pessoas (singulares e colectivas) de se fixarem no Interior e não boicotar.

Há que criar novos instrumentos de discriminação positiva e investimento para o Interior, porque os que existem são anémicos e não funcionam. Fazer política é usar os instrumentos políticos e os fundos comunitários para fazer a mudança e melhorar a qualidade de vida dos portugueses. De todos os portugueses. E pouco ou nada tem sido feito digno desse nome. Há que interromper este ciclo perverso de desinvestimento e abandono do Interior. Portugal devia ser de todos e para todos. Ou não?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.