Espera-se que na cimeira de Chefes de Estado e de Governo a ter lugar em Bruxelas, no próximo dia 14 de junho, venha a ser aprovado um novo Conceito Estratégico da NATO, que substituirá o que foi aprovado em Lisboa, no ido ano de 2010. O que esse documento vier a referir sobre a postura a adotar pela Aliança relativamente à China reveste-se da maior importância, sobretudo quando surgem apelos para os europeus olharem Beijing de forma hostil e agressiva.

A anunciada cimeira das democracias proposta pela Administração Biden, com vista ao relançamento do projeto hegemónico americano à escala global, contando com a ajuda e participação dos países europeus, assim como a presença de navios ingleses e franceses em exercícios no Mar do Sul da China são indicadores desse apelo.

Esta ambição geoestratégica foi criticada há uns anos pelo insuspeito Zbigniew Brzezinski, no final da Administração Obama, e mais recentemente por Henry Kissinger. Ambos apelaram à reavaliação dessa ambição. Os EUA já não eram um poder imperial global. Esse projeto tinha-se exaurido. Havia agora que aceitar a nova correlação de forças mundial, a nova ordem multipolar, e o novo equilíbrio existente.

Kissinger foi mais longe. Alertou para o perigo de uma competição sem fim pelo poder, com consequências imprevisíveis. Washington tinha de aceitar a nova situação, caso contrário a humanidade corria o risco de caminhar irreversivelmente para um poço sem fundo.

A exacerbação da competição e da rivalidade com a China terá inevitavelmente consequências negativas para a Europa, e para o seu projeto de autonomia estratégica, que ficaria ferido de morte, com deserções e o consequente alinhamento com as iniciativas oriundas do outro lado do Atlântico.

Considerando não ser a China uma ameaça existencial para a Europa nem uma ameaça direta à região Euro-atlântica, e que os desafios que coloca à Europa são consideravelmente diferentes daqueles colocados pela Rússia, faz todo o sentido, que no capítulo da identificação e qualificação das ameaças, o próximo Conceito Estratégico da Aliança tenha isso em consideração e não se foque na China, mas sim na Rússia e no terrorismo.

Contudo, isso não significa que a NATO não deva dedicar mais tempo e recursos aos desafios de segurança que a China possa vir a colocar, e a monitorar os desenvolvimentos associados à sua agenda estratégica. Seria extremamente positivo se o novo Conceito Estratégico da Aliança considerasse a possibilidade de se criar um diálogo político permanente com a China sobre temas de interesse comum, nomeadamente, construção de confiança e controle de armamentos.

A concretizar-se essa possibilidade, seria possível desenvolver mecanismos de cooperação com Beijing, incluindo mecanismos orientados para a eliminação de conflitos de natureza militar.

A concretização desta abordagem significaria que os intentos dos setores mais radicais residentes no establishment americano de política externa e de segurança não prevaleceriam, como não prevaleceram no passado quando tentaram transformar a NATO numa organização global. A acontecer, estes desenvolvimentos viriam provar que o pilar europeu da NATO existe e até consegue, nalguns casos decisivos, impor a sua vontade.