A propósito das Jornadas Mundiais da Juventude, decidiu o Governo apresentar na Assembleia da República, à sua maioria parlamentar, a proposta de amnistia. Assim, chegamos à Lei da Amnistia 2023, publicada no Diário da República, como Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entra em vigor a 1 de Setembro.

Entre o entusiasmo das Jornadas e da presença de S.S. o Papa Francisco, o estio, as férias e os eventos da silly season, foi a Lei publicada e entra em vigor na última sexta-feira das férias!

Adivinham-se diversos e sérios problemas. Um dos quais é a modalidade legislativa de inexistir preâmbulo que condense a justificação e motivação da lei. Sempre é um ponto de partida para o intérprete e elemento auxiliar na aplicação da lei.

Ora, a Lei da Amnistia 2023 abrange expressamente, sem limite de idade, as sanções relativas a infracções disciplinares. Nada mais dizendo. Ou seja, caem aqui todas as infracções disciplinares. Incluindo as dos processos disciplinares instaurados nas Ordens profissionais, só se excluindo as infracções disciplinares que não constituam ilícitos penais não amnistiados, ou cuja sanção seja a expulsão.

Também aqui se incluem as infracções disciplinares laborais, mais uma vez que não configurem crime não amnistiado, e cuja sanção não seja o despedimento. Significa isto que a Lei da Amnistia confiscou o poder disciplinar das Ordens Profissionais, das empresas e empregadores, só o permitindo nos processos que culminem com expulsão ou despedimento.

Não sei se alguma vez se assistiu a tamanha ingerência no foro privado das empresas. Desconhece-se por completo a fundamentação subjacente a esta medida. Limpar processos? Diminuir a pendência nos tribunais? Garantir um lugar no céu? Constituir-se, definitivamente, um governo sol alicerçado na maioria parlamentar?

Pois, não se sabe. O que se sabe é que as infracções disciplinares laborais praticadas até às 00h00 horas do dia 19 de Junho do ano da graça de 2023 são varridas para debaixo do tapete, com excepção das que possam dar lugar ao despedimento.

Assim, as infracções que seriam punidas com uma sanção conservatória, que manteria o vínculo laboral, são eliminadas por imposição da Lei da Amnistia. Este confisco do poder disciplinar e do poder de direcção das empresas e empregadores é de legalidade e constitucionalidade não só duvidosa, como raia a leviandade e quebra os pressupostos da boa fé.

Mais constitui um péssimo exemplo da falta de qualidade legislativa, reflexo da ausência de reflexão e ponderação das próprias leis.

Não contempla os efeitos perversos que esta amnistia de terraplanagem provoca, e que passa pelo empoderamento dos infractores e pela fragilização dos empregadores, e das Ordens Profissionais, subtraídos que ficam do poder disciplinar.

A impunidade do prevaricador é um bónus sem qualquer justificação racional.

Se a grande intenção do Legislador era diminuir o número de processos não creio que alcance tal desiderato. Parece-me que a fragilidade das própria Lei e a sua periclitante constitucionalidade, dará lugar a um sem número de processos, obrigará os juízes a estudarem e fundamentarem as suas decisões e, garantidamente, forçará o Tribunal Constitucional a tomar posição.

Pois, esta amnistia laboral consubstancia uma ingerência na gestão das empresas privadas, acautelada pela Constituição (86º/2CRP), e não corresponde às exigências constitucionais. Para nós, temos que este confisco foi uma medida tão bem pensada como tantas outras. Quando, finalmente, os processos suscitados por esta Lei da Amnistia estiverem resolvidos, já serão outros os responsáveis e, como de costume, ‘não passará nada’!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.