O Congresso do Chega foi pródigo em gritos, apupos e mudanças de dirigentes. Tais situações são naturais em partidos recentemente formados, que dão os primeiros passos na busca de uma identidade, definida habitualmente através da hegemonização, negociada ou não, de uma das suas correntes internas.

Foi assim com o PS, o qual, dividido entre a linha do socialismo democrático de Mário Soares e a linha esquerdista de Manuel Serra, encontrou o seu rumo logo no primeiro congresso, em Dezembro de 1974, com o triunfo da primeira sobre a segunda. Foi assim também no PSD, cujas divergências intestinas se prolongaram mais no tempo, tendo o partido conhecido momentos de grande tensão como o da defecção do grupo dos “Inadiáveis”, que custou ao sociais-democratas, de uma assentada, 37 lugares na Assembleia da República.

Reunido o Chega no seu III Congresso, que teve início no dia do 95º aniversário da Revolução Nacional, em Coimbra, cidade onde, há setenta anos, se realizou o III Congresso da União Nacional – a História tem sentido de humor e apraz-lhe divertir-nos com estas coincidências -, foram patentes as lutas entre as diferentes sensibilidades que se albergaram no partido. Resultando de uma coligação negativa, pois que unidas apenas pela convergência relativamente ao que contestam, a sua coesão termina aí.

Quanto aos objectivos, cada sensibilidade tem os seus e atendendo à natureza radical e dogmática de todas elas, dificilmente transigirão na defesa das causas que são caras a cada uma delas e a procura da hegemonia terá sempre, por essa razão, um carácter acrimonioso, logo potenciador de cisões e consequentes abandonos de grupos em bloco, eventualidade que, num partido pequeno, se revelará catastrófica.

Assim, André Ventura, que não parece filiar-se em qualquer das sensibilidades, pretende tão só pairar sobre elas como condição de manutenção da liderança, assumindo uma função de gestão, equilibrando forças, que impeça, portanto, uma hegemonia futura, potencialmente fatal.

Porém, a gestão política de Ventura não se circunscreve à organização da sua casa. É também definida em função das movimentações no xadrez partidário nacional. Ciente da crise por que passa o CDS, acerca do qual se tornou voz corrente que vive os seus últimos dias – vaticínio que não é inédito –, Ventura procura conquistar eleitorado no partido presentemente mais vulnerável. Para tal, robusteceu os católicos conservadores, para atrair os que, dentre estes, ainda se mantêm fiéis ao inquilino do palacete do Caldas.

Não se iludam, pois, aqueles que acreditam que o Chega se tornará o partido da moral cristã. A decisão de Ventura é meramente táctica, não de princípio. Por conveniência do momento alcandorou aos píncaros da direcção os católicos conservadores; amanhã substitui-los-á por outros, novamente guiado pela conveniência. Lembrem-se que de preferido a preterido vai a distância de uma letra.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.