O mês de março, marcado pelo dia Internacional da Mulher, é tipicamente um mês no qual temas como a desigualdade de género e o papel da mulher na sociedade emergem e são debatidos mais avidamente.

Contudo, a desigualdade salarial entre géneros no mercado de trabalho é, ainda em 2020, um problema que afeta diariamente o sexo feminino um pouco por todo o mundo. Portugal não é exceção e as estatísticas mostram um panorama que, ainda com algumas melhorias ao longo das últimas décadas, está longe de ser o ideal.

Um dos indicadores mais utilizados para avaliar o nível de igualdade salarial entre homens e mulheres é o Hiato Salarial Não-Ajustado, que mede a diferença entre os valores brutos médios ganhos, por hora, entre homens e mulheres trabalhadores por conta de outrem, em empresas com dez ou mais pessoas. Segundo dados do Eurostat, o portal de estatísticas da União Europeia, em Portugal este índice tendo vindo a convergir para a média da União Europeia, que em 2018 se situava nos 15,7%. Os dados mais recentes revelam que a diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal está numa média de 16%.

Ainda assim, este indicador não tem em conta as características específicas de cada trabalhador, tais como os níveis de educação, o setor de atividade, a posição ocupada ou o número de horas de trabalho. Ao considerar as características individuais, um novo indicador passa a ser denominado Hiato Salarial Ajustado.

Neste caso, os dados revelam um cenário ainda mais dramático. Um estudo realizado por Pedro Portugal (Banco de Portugal) e coautores, conclui que, durante o período 1991-2013, o Hiato Salarial Ajustado se manteve a uma taxa estável e sem qualquer tipo de progresso, enquanto o Hiato Salarial Não-Ajustado diminuiu. Assim, a disparidade de género aparenta ter sofrido uma redução simplesmente por ter existido um grande aumento nas qualificações do sexo feminino e não devido a uma atual diminuição da componente inexplicável da disparidade salarial.

Estes dados, que deveriam causar desconforto aos decisores políticos, podem ser justificados pelo facto de Portugal ser um dos países nos quais existe ainda uma grande segregação profissional. Mesmo com uma forte participação das mulheres no mercado de trabalho, o mais comum é que estas, ainda que apresentem, em média, um nível de educação mais elevado que os homens, trabalhem em setores menos valorizados e com salários mais baixos, como é o caso da indústria dos têxteis e calçado.

Paralelamente aos efeitos no mercado de trabalho, o problema da desigualdade salarial afeta a economia de um país e tem peso no PIB. Esta foi já a conclusão de um estudo assinado por José Tavares (Nova SBE) e Tiago Cavalcanti (Universidade de Cambridge), no qual os autores quantificaram o custo das barreiras existentes à participação feminina no mercado de trabalho no PIB de um grupo de países selecionados.

As principais conclusões indicam que a desigualdade salarial causa uma redução do PIB per capita devido a dois principais mecanismos: o desencorajamento da participação das mulheres no mercado de trabalho e um aumento da fertilidade que causa, por consequência, um aumento da população.

Atualmente, com o desenvolvimento da tecnologia e da digitalização, o mercado de trabalho está a sofrer constantes mudanças que requerem novas skills e uma grande capacidade de adaptação por parte dos trabalhadores.

Em 2018, o “Women in Tech Index” (estudo realizado pela plataforma de empregos tecnológicos Honeypot) revela que Portugal está em primeiro lugar no ranking de igualdade de género nas indústrias tecnológicas. A comparação, feita entre 41 países pertencentes à OCDE, indica que, em Portugal, 31% dos estudantes formados em STEM (“Science, Technology, Engeneering and Maths”) são mulheres. No entanto, a percentagem de trabalhadores do sexo feminino na indústria tecnológica é de apenas 16%.

O estudo revela ainda que o Hiato Salarial nas indústrias tecnológicas se situa nos 11,1%. Numa sociedade em que, culturalmente, as mulheres estão associadas a trabalhos mais domésticos ou a setores como a educação e a saúde, a adaptação para as novas realidades do mercado de trabalho é um grande desafio. Será necessário garantir que o sexo feminino conseguirá também colher os benefícios desta que é considerada a quarta revolução industrial e que a desigualdade salarial não será um travão para a progressão.

No nosso país, a desigualdade entre géneros está ainda bastante enraizada a nível cultural, principalmente devido à existência de preconceitos inconscientes contra as mulheres e o seu lugar na sociedade. É por este motivo imperativo fazer uso da maior arma do ser humano: o conhecimento. Através de uma maior educação e da transmissão de valores de igualdade e pluralidade, em especial às novas gerações, há ainda esperança de um futuro onde nos será possível usufruir de um mundo onde mulheres e homens tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades.

 

Referências:

Cardoso, Ana Rute; Guimarães, Paulo; Portugal, Pedro; Raposo, Pedro. The sources of the gender wage gap, https://www.bportugal.pt/en/paper/sources-gender-wage-gap

Cavalcanti, Tiago; Tavares, José. The Output Cost of Gender Discrimination: A Model-Based Macroeconomics Estimate,

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/ecoj.12303?casa_token=MYA-1x_Vc38AAAAA:N_q1advyjdqih4gD9u69UoioHkG4SFX43o3z1NGul4EjDSERgElrcwCEX9pJodeS7hUxFI_nRRQy5Rjk

https://www.honeypot.io/women-in-tech-2018/

https://eco.sapo.pt/reportagem/a-discriminacao-pesa-e-muito-no-pib-como-se-parte-o-teto-de-vidro/