Ocupados com o folclore e a intriga à volta do impeachment do presidente norte-americano, que não se sabe ainda se irá acontecer, escapou aos analistas nacionais de política externa a notícia – por sinal muito preocupante – sobre a possibilidade dos EUA se retirarem do Tratado Open Skies (Céus Abertos). Eliot Engel, presidente do Comissão de Negócios Estrangeiros, da Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano, tornou pública a notícia no dia 7 de outubro, através de uma carta que enviou a Robert O’Brien, Conselheiro Nacional de Segurança do presidente Trump, dando-lhe a conhecer a sua preocupação sobre essa possibilidade, apresentando uma série de argumentos.

Segundo O’Brien, a retirada americana do Tratado (1) só beneficiaria a Rússia e seria prejudicial aos interesses de segurança nacional dos aliados e parceiros da América, (2) pode dividir a aliança transatlântica e prejudicar ainda mais a confiança na América como um parceiro estável e previsível em matéria de segurança europeia, e (3) impediria os EUA e seus aliados de monitorizarem os movimentos militares da Rússia.

O Tratado dos “Céus Abertos” foi assinado por 34 Estados que autorizam o sobrevoo dos seus territórios pelos outros signatários para observarem as suas atividades militares. Apesar da observação por satélite, a observação por sobrevoo continua a ser indispensável. O Tratado permite que Estados sem os recursos dos EUA ou da Rússia possam ter acesso a informações valiosas. Nos últimos 16 anos, o Tratado permitiu quase 200 voos dos EUA sobre a Rússia e mais de 70 voos da Rússia sobre os EUA.

A retirada norte-americana representaria o fim do Tratado, e seria mais uma facada no sistema de controlo de armamentos, a acrescentar a outras, que pouco a pouco têm vindo a corroer o sistema de Construção de Confiança em vigor na Europa. Infelizmente, temos assistido ao paulatino desmantelamento desses sistemas, assim como à erosão do sistema de controlo de armamentos, apesar do aumento da sua importância a partir de 2014, causado pela deterioração das condições de segurança no leste da Europa e no Cáucaso do Sul.

O  Tratado sobre Forças Armadas Convencionais na Europa (CFE), abandonado pela Rússia, conjuntamente com o Documento de Viena, que se teme possa estar prestes a desaparecer, contribuíam para o aumento da transparência e confiança mútua, constituindo assim um sistema de Construção de Confiança robusto na Europa. A isto, junta-se o desabar do sistema de controlo de armamentos, causado pela retirada unilateral dos EUA do tratado de mísseis antibalísticos, em 2002, do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário, no início de 2019, e a manifesta falta de vontade em rever o START, em 2021, que se estende aos restantes mecanismos de controlo de armamento e acordos de monitorização.

Segundo a informação disponível, a decisão de abandonar os “Céus Abertos” não prevê a consulta dos aliados e parceiros europeus. Em tempos de clamor por uma autonomia estratégica, ficamos curiosos em ver a sua reação nos fóruns que partilham com os EUA, nomeadamente na NATO e na OSCE. Apesar de ser um assunto fundamentalmente entre norte-americanos e russos, os europeus não se podem remeter a um papel passivo, porque o teatro de operações será europeu. Um assunto a seguir.