O sociólogo Michael Mann na sua obra as “As Fontes de Poder Social” identificou quatro fontes de poder social: ideológicas, económicas, militares e políticas. As sociedades não são unitárias e são o produto da interação de múltiplas redes de poder social sobrepostas. Esse poder consubstancia-se na forma de organizações, e é materializado em instituições.

Segundo ele, o desenvolvimento das sociedades deve ser analisado com base na forma de relacionamento entre aquelas fontes de poder social. A supremacia de umas sobre as outras advém dos meios organizativos que cada uma possui para atingir os seus objetivos.

Deve sublinhar-se, com base nestes pressupostos, que a primazia do poder político sobre o poder militar não é exclusiva das democracias liberais. Ocorre com frequência nos Estados autoritários. Na prática, a relação de poder estabelecida entre estas duas fontes de poder social – dominação versus subordinação – não é essencialmente diferente.

A diferença reside fundamentalmente no facto do poder político nas democracias liberais ser sufragado pelo voto popular. Acrescentar a palavra “democrático” a controlo pode sugerir uma forma essencialmente diferente de assegurar nas democracias a supremacia do poder político sobre o poder militar. Não é normalmente o caso.

As democracias liberais procuram certificar-se com todos os meios ao seu alcance que o poder militar não constitui uma ameaça ao poder político eleito. Faz sentido que assim seja. Contudo, a necessária e saudável subordinação do poder militar ao poder político não pode nem deve ser confundida com submissão, com a arrogância do “posso, sei e mando”.

Nesta matéria, a interpretação de “controlo democrático das forças armadas” por parte dos governantes portugueses tem sido frequentemente abusiva e desastrosa. Umas vezes mais ostensiva, outras mais discreta. Vários chefes militares foram maltratados publicamente em manifesto desrespeito pelo decoro, não lhes restando outra solução que não a de se demitirem.

Os governos da República não cumprem as suas próprias leis relativas às Forças Armadas. Fala-se agora da possibilidade de órgãos de polícia criminal civis poderem investigar crimes estritamente militares. Para não falar em muitas outras decisões desnecessárias, que vão desde retirar condições e direitos aos militares e seus familiares até ao desmantelamento do dispositivo, ao ataque à justiça militar e ao fim dos tribunais militares.

Desde o fim do Conselho da Revolução em 1982, com a aprovação das Leis de Defesa Nacional, em que as Forças Armadas voltaram a ser “inseridas no Estado”, estas têm vindo a ser progressivamente enfraquecidas e debilitadas pelo poder político. Tem isto ocorrido deliberadamente ou por incompetência? Provavelmente pelas duas razões.

Pode o poder político estar descansado que os militares portugueses não são um elemento desestabilizador da ordem democrática estabelecida, como aconteceu em Espanha, em 1981. Seria mais produtivo se os atores políticos canalizassem as suas energias para refletirem, conjuntamente com os militares, sobre o modo como maximizar a utilização das Forças Armadas na lógica do reforço do poder nacional, em vez de se perderem em tergiversações.