Em democracia espera-se que os cidadãos tenham algum controlo sobre o governo e demais representantes. Em boa verdade, se atentarmos às teorias da representação, deduz-se que os cidadãos têm todo o controlo do Estado, ainda que indirectamente, via (re)eleição dos seus representantes.
Claro que, para a maioria de nós, pensar na teoria da representação quando estamos de volta da nossa declaração de IRS, ou quando deixamos os nossos filhos numa escola pública, não é propriamente a primeira coisa que vem à cabeça. Os nossos representantes desenharão políticas públicas em nome dos representados, ou seja, em nosso nome. Isso, para muitos, será o suficiente. Vamos concordando aqui, vamos discordando acolá, mas assim seguimos.
Uma das questões que têm sido colocadas nos últimos tempos a este propósito prende-se com a ideia de que os cidadãos, eleitores, não têm qualquer controlo sobre o governo e respectivos representantes. Isto não é verdade, mais não seja, no próximo acto eleitoral têm (temos) a possibilidade de escolher quem nos representa. Agora, outras questões podem ser levantadas.
Por exemplo, mas não só, se as teorias da representação nas quais a nossa democracia assenta, são ainda adequadas. Ou seja, pensando nisto de forma mais específica, se as pessoas devem ter algum tipo de controlo formal dos representantes entre eleições, por exemplo na definição de políticas públicas específicas e no processo de decisão política adentro das legislaturas.
Imagine-se que concordávamos com isso, como é que o poríamos em prática? Escolheríamos maiorias simples da população para definir certos caminhos, por exemplo através de referendos como se faz na Suíça, ou por outro método. Haveria um número mínimo de votantes para que as respostas fossem consideradas válidas? Quem decidiria que assuntos deveriam ser votados pela população? É sabido que quem define a agenda tem um imenso poder.
Estariam os cidadãos interessados em votar inúmeras vezes sobre um assunto que, idealmente, teriam que estudar para tomar uma decisão mais concreta? Ou não? Não nos cansaríamos todos de andar a votar com alguma regularidade? E se não houvesse quóruns, o que se faria? Deixava-se o país à deriva nalguns temas por não se obter a validação da maioria sobre a matéria “x”?
Tudo questões que nos podem levar a outras ideias, como por exemplo as de Riker ao desenvolver inicialmente a Teoria das Escolhas Sociais, inspirado por Arrow e pelo Teorema da Possibilidade Geral. Do ponto de vista teórico, as questões não se tornariam mais simples. A ideia da “vontade da maioria”, só para referir um caso, é em si mesma complexa: o que é isso? A vontade da maioria num dado momento (não estou a referir-me às respostas a sondagens, que essa conversa é outra) é quase aleatória, porque pouco informada e até perversa, como o próprio Riker defenderia.
A lógica da Teoria das Escolhas Sociais não é a única que se deve adoptar quando pensamos no controlo dos cidadãos para com os seus representantes, mas ainda assim convém tê-la em conta, mais do que não seja pelos aspectos práticos que a mesma parece levar-nos a concluir e a alguns fiz referência através de perguntas.
Gostaria, sem detalhar mais estas teorias das Ciências Sociais, de deixar um apelo à reflexão de como podemos, todos, enquanto cidadãos, esperar que haja maior accountability por parte dos nossos representantes sem que tenhamos de estar a tomar decisões todos os dias sobre algo que sabemos muito pouco, se considerarmos todas as decisões que os nossos representantes têm que tomar.
Quer isto dizer que devemos votar cegamente? Não, devemos fazer exactamente o oposto. Quer isto dizer que devemos aceitar todas as decisões daqueles que nos representam? Não, devemos fazer exactamente o oposto. Quer isto dizer que devemos pensar melhor no que é a tomada de decisões políticas e a sua complexidade? Sim, mas não só.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.