A nossa música preferida é a barroca nos seus três períodos, o barroco inicial, o médio ou alto e o tardio. Situa-se entre a música do Renascimento e a do Período Clássico. Em muitos manuais encontram-se datas-limite, quase sempre 1600-1750 para guiar o leitor, mas este espartilho não corresponde à verdade.

Em primeiro lugar, não existem mudanças abruptas, em segundo, não foi assim mesmo. Ora vejamos. Uma das primeiras óperas foi o “Orfeo”, de Monteverdi, de 1607, num estilo recitativo accompagnato (por música elaborada, neste caso), que se julgava, pensa-se, ter sido o da tragédia grega. Pode ser considerada barroca esta ópera por se afastar dos cânones das árias renascentistas.

Note-se, não foi a primeira ópera. Peri escreveu as primeiras óperas de que há notícia, “Dafne” (que se perdeu; c. 1597) e “Eurídice”, c. 1600. As duas últimas óperas de Monteverdi, “O Regresso de Ulisses à Pátria” (1641) e “A Coroação de Poppea” (1642), especialmente esta última, apresentam um aumento de árias operáticas, já por moda ou por Monteverdi calcular que serviam o tema. Este grande músico viveu entre 1567 e 1643.

Muitos outros compositores poderíamos citar desta época do primeiro barroco. Vamos limitar-nos a Sartorio (1630-1680). Este veneziano dedicou-se sobretudo, como Monteverdi, à música vocal e à ópera. Viveu também em Hannover. Hoje em dia, as suas óperas mais conhecidas são “L’Orfeo” (1672) e “Giulio Cesare in Egitto” (1676), que apresentam árias cujas coloraturas ou enfeites vocais tão característicos do barroco, já anunciam o apogeu do barroco operático.

É, de facto, com o virar do século, sem estabelecer fronteiras rígidas, que se passou à época do barroco médio ou alto, não no sentido de antigo mas de supremo. Alessandro Scarlatti (1660-1725), um siciliano que compôs muitíssimas óperas, deu o toque final, como costuma dizer-se às célebres árias da capo, famosas nas óperas barrocas, mas se quisermos, também nalguma música popular que perdura.

Realmente, quando dissemos que não há, não pode haver fronteiras rígidas nas épocas, e se são dadas pelos historiadores são-no por conveniência de “arrumação”, vejamos aqui um bom exemplo do facto por nós apontado. Antes do virar do século já A. Scarlatti usava as árias da capo. Estas são compostas de três secções, ABA, sendo a terceira a repetição da primeira, mas na qual o cantor pode introduzir floreados seus, como prolongar notas sem música, levando ao paroxismo do público.

A época barroca foi o auge do estrelato dos cantores, também chamados, por vezes, i musici, para além dos músicos da orquestra. Os cantores mais apreciados eram as sopranos e os castrati, quer os alto castrati, quer os soprano castrati. A prática de castrar jovens de coros com uma voz bonita era proibida pela Igreja, mas esta fechava os olhos em nome da “beleza da voz”. Alguns, ao mudarem de idade, perdiam-na, outros, tornaram-se estrelas fantásticas e enriqueceram: Senesino, Farinelli, Caffarelli, tantos mais. Sopranos femininas famosas, Francesca Cuzzoni, Faustina Bordoni, fizeram carreira de Itália para Londres.

Compositores famosos desta época, para além do mencionado, Vivaldi, um veneziano (1678-1741), autor de muitos concertos, sinfonias e de quarenta e seis óperas, Haendel (Halle, Fev. 1685-Londres 1759). Compôs sinfonias, concertos, suites, duetos, cantatas, quarenta e cinco óperas e muitos oratórios e Bach, (Eisenach, 1685-1750). Compôs concertos, suites, sonatas, muitas cantatas, sagradas e profanas, motetos, Magnificats, Paixões e oratórios.

Num conjunto de c. de mil obras, não se encontram composições de óperas talvez por trabalhar como kantor para a Igreja de Leipzig durante muitos anos. Der zufriedengestellte Aeolus (Éolo apaziguado), cantata profana de 1725, apesar da sua curta extensão, é talvez a obra de J.S. Bach que mais se aproxima de uma ópera de tema mitológico.

Pela mesma ordem de ideias, o barroco tardio não apareceu numa data definida. Foi surgindo. Hasse (1699-1783) na orquestração das suas óperas revela uma tendência que veio a ser mais tarde usada no período clássico (Mozart, menos em Beethoven, que já abriu as portas ao Romantismo). B. Galuppi (1706-1785) eminente compositor, guarda elementos do barroco, mas a sua orquestração aponta para o classicismo, período qua há quem chame, imitando a designação decorativa, rococó.

Costumamos escrever sobre a actualidade e sobre um futuro desejável. Trouxemos-vos hoje o passado, mas, como sempre, um cano ornamentado por onde se possa vislumbrar uma saída. Se a eternidade fosse música barroca para sempre?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.