Em setembro de 2014, sob a presidência do Reino Unido, o G8 criou uma taskforce com o objetivo de produzir um conjunto de recomendações para a criação de um mercado de investimentos que fomentasse o empreendedorismo e a inovação de impacto. O relatório foi batizado sugestivamente como “Coração invisível dos mercados” e propunha uma agenda ambiciosa que ainda está por materializar.

Na realidade, este documento continha mensagens fortes e destapava o véu sobre uma nova realidade económica divergente e disseminada pela sabedoria convencional (assente na mão invisível dos mercados). A ideia subjacente ao relatório afirmava o mercado como uma força para o bem comum e não apenas ao serviço dos interesses egoístas de cada agente económico. Propunha inclusivamente um melhor e maior alinhamento entre interesses pessoais e benefícios para a sociedade.

Qual é o caminho?

À medida que a sociedade vai evoluindo, os desafios económicos, sociais e ambientais não passam a ser menos complexos ou mais urgentes, mas podem tornar-se oportunidades de negócio capazes de alinhar benefícios pessoais com o bem comum.

É neste contexto que nascem novas formas de alocação de recursos, dando origem a uma ordem económica pós-capitalista. Isto acontece porque a ordem de preferências manifestada pelos consumidores mudou, criando uma maior pressão sobre a produção que altera profundamente as prioridades económicas. O equilíbrio entre estas forças dá origem a um novo conjunto de incentivos que reajusta o statu quo.

Os indícios desta nova ordem económica são bem visíveis:

– 75% dos millennials procura maior propósito no trabalho, segundo um estudo da Core Communications. Esta maioria estará disposta a abdicar de parte dos seus salários e a dedicar mais tempo ao trabalho se este estiver alinhado com as causas que defendem. Este dado mostra, igualmente, uma geração que já não é cúmplice de práticas organizacionais pouco transparentes e social e ambientalmente insustentáveis. Mais, o seu tempo tornou-se mais valioso, fazendo aumentar o custo de oportunidade do trabalho sem propósito;

– 85% das organizações com um propósito de impacto na sociedade reportaram crescimento, contra apenas 42% das organizações mais tradicionais. Este facto mostra-nos que o mercado também funciona na resolução dos desafios mais complexos da sociedade, não perdendo o foco na eficiência.

O coração invisível dos mercados parece revelar-se e estar a substituir a velha ordem estabelecida. Mas, onde estão os incentivos escondidos por trás desta mudança paradigmática? Como é possível criar e capturar valor em organizações híbridas, que conciliam objetivos de impacto na sociedade e a utilização de mecanismos de mercado?

A inovação nos modelos utilizados dá-nos uma resposta parcial a estas questões. Há três tipos de modelos utilizados por estas organizações:

– Modelos de escala, base da pirâmide e/ou de segmentos não servidos: a proposta de valor destes modelos é focada no seu segmento alvo que, por sua vez, tem capacidade de a valorizar e pagar por ela (por razões de economias de escala e/ou de inovação no modelo de negócios. Como, por exemplo, o Grameen Bank e os micro empréstimos concedidos a pessoas em situação de pobreza extrema;

– Modelo de dupla proposta de valor, ou seja, modelos em que o segmento alvo envolvido não é, necessariamente, quem paga pelo serviço ou produto. Como, por exemplo, o Coloradd – um código de cores para pessoas daltónicas que é adotado por marcas como a Viarco (em Portugal) ou a gigante Matel (no seu famoso jogo Uno);

– Modelos de monetização de impacto, valorização de resultados intangíveis e/ou contratualização de resultados. Neste caso, o segmento alvo é sensível a uma proposta de valor, mas não tem capacidade para pagar pelo produto ou serviço que a entrega. Nestes modelos existe uma terceira parte que internaliza os efeitos gerados pela atividade económica produzida pela organização em causa. Como, por exemplo, o Sponsh – uma tecnologia que absorve água do ar, aumentando a eficiência na irrigação que suporta a reflorestação.

Estes modelos podem existir independentemente ou combinados. São alguns dos exemplos que nos mostram a evolução para um admirável mundo novo. A crise que enfrentamos reforçou esta tendência, desencorajando a insistência em mecanismos obsoletos de alocação e consumo de recursos.

Todavia, a sociedade continua com desafios estruturais por resolver, como é o caso da necessidade de tornar a desigualdade como uma prioridade da política económica ou reforçar os mecanismos de procurement públicos baseados em princípios de discriminação positiva. Alvin Roth, prémio Nobel da Economia em 2012, afirmou que a maioria dos mercados são uma criação humana e, que se saiba, os humanos ainda têm um coração.