Quem nunca se deparou com a proliferação de créditos ‘fáceis’ na internet, nomeadamente nas redes sociais? Ou nas secções de classificados dos jornais de papel de grande tiragem?

Hoje em dia abundam, um pouco por todo o lado, os anúncios que prometem resolver uma situação de aperto financeiro pontual, ou uma emergência ocasional. Regra geral, trata-se de anúncios feitos por particulares ou ‘empresas’ que, longe de estarem credenciados para serem intermediários de crédito, são verdadeiros abutres da desgraça alheia, que exploram a necessidade, ou o desejo irracional, de quem quer ter uma nova televisão, uma nova consola de jogos, ou que, pura e simplesmente, está tão endividado que não encontra respaldo para mais crédito na banca.

Ao contrário do que alguns querem fazer querer, por ignorância ou má-fé, ao contrário destes intervenientes, os bancos não se comportam como abutres na sua relação com os seus clientes. Os bancos simulam o plano de prestações futuras, avaliam as taxas de esforço, praticam juros dentro dos parâmetros definidos pelo Banco de Portugal e calculam endividamentos máximos por proponente. Igualmente importante, as instituições de crédito bancário asseguram-se que as partes recebem e compreendem toda a documentação do contrato de crédito.

Quando as famílias, ou as empresas, procuram ir além da sua capacidade teórica de endividamento, os bancos recusam de imediato conceder novos créditos. Repito, recusam, pura e simplesmente.

Infelizmente, em paralelo ao sector bancário, hoje em dia pululam no éter pretensos facilitadores, cobrando juros e juros de mora que chegam a atingir mais de 100%. Sim, leu bem: mais de 100%!

Trata-se de um mercado onde cheques pré-datados, automóveis e habitação própria permanente são entregues como caução de empréstimos concedidos pelos tais facilitadores, ou por quem os ‘emprega’. Estamos perante um sector selvagem onde tácticas musculadas de recuperação de crédito, nos casos em que não existem imóveis ou bens móveis, para dar em garantia, são a norma.

Não se pense, porém, de forma errada, que este é um mercado sem expressão. Estamos a falar de um mercado onde milhares de pessoas andam perdidas e enroladas, numa espiral de crédito que consolida outros créditos e que só acaba quando a pessoa é despejada na rua. Este é um mercado onde são apanhados trabalhadores por contra de outrem e onde a desestruturação familiar torna mais frágeis ainda os devedores.

À luz deste contexto, só posso, só podemos todos nós, elogiar o Banco de Portugal por ter emitido um aviso oportuno sobre as práticas de crédito ‘fácil’. Esteve bem, mas infelizmente não chega. Precisamos urgentemente que a Investigação Criminal e o Ministério Público tenham um outro nível de recursos especializados, de modo a cortar cerce esta forma moderna de burla e de crime. Precisamos igualmente de reforçar a moldura criminal que enquadra este tipo de actuações. Por último, mas não em último, precisamos de banir a capacidade de comunicar destes predadores.

Ignorar esta realidade corresponde a uma forma de conivência com estes abutres da desgraça alheia. Pessoalmente, para mais sendo bancário, faço questão de aqui a denunciar sem estados de alma.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.