Se dúvidas houvesse de que a nossa sociedade vive, mais do que nunca, no frenesim do culto da fama, basta olhar para o programa “A Máscara”, emitido pela SIC nos domingos à noite, no qual “celebridades são mascaradas de uma personagem, escondendo assim a sua identidade real dos outros concorrentes, do júri e do público”.

O mundo sempre seguiu uma tendência para venerar ricos e famosos, mas algo mudou em anos recentes. Já não olhamos meramente para o modo de vida das celebridades, elas passaram a personificar a sua própria marca comercial, e procuram influenciar ativamente as nossas decisões sobre o que devemos comprar. Aproveitam-se da sua visibilidade para montar negócios de sucesso, aliciando milhares a tentarem imitar o seu estilo. Quanto maior a fama, maior a capacidade de desenvolver esse negócio.

A sofisticação destes métodos já não se limita ao mundo do entretenimento. Na verdade, podemos dizer que atualmente tudo se transformou em entretenimento, desde o jornalismo à política. Hoje em dia, qualquer personalidade que queira ter visibilidade nestas áreas, tem de passar por um processo competitivo que implica, mais do que nunca, alcançar popularidade de formas ruidosas, desde lançar todos os dias invetivas bombásticas nas redes sociais sobre a atualidade, até ocupar espaço dos média.

Ainda me lembro de um tempo em que se fazia este caminho de forma vagarosa, com anos de estudo e contributos. Há quem ainda opte por esse caminho, mas a maior parte tem preferido seguir pelos atalhos. Os próprios média, na sua necessidade de sobreviverem na luta por audiências, têm seguido cada vez mais o critério da fama.

Quando a fama se torna o critério, passamos a alimentar agendas pessoais. Se tivesse de escolher uma analogia, diria que hoje somos todos gladiadores a lutar numa arena, disputando o ruído, a estridência. É viável esperarmos algum tipo de qualidade no discurso coletivo quando o individualismo se torna a norma?

Como se não bastasse, as pessoas estão de tal modo viciadas nas novidades e na partilha das suas opiniões sobre essas novidades que agora enfrentamos questões como “cultura de cancelamento”, em que transgressores morais são publicamente repreendidos por uma multidão, sem grande coerência. Podemos olhar para a cultura de cancelamento como uma experiência sociológica que dá rédea livre à nossa necessidade perversa de exercer julgamentos morais. Até onde vai o limite para nos sentirmos ofendidos? Quer isto dizer que toda a indignação é pouco fundamentada? Não, mas o seu lado tóxico precisa ser confrontado.

A rápida evolução da nossa presença social no digital transformou-nos em cobaias de uma experiência massiva que, todos os dias, tem vindo a moldar radicalmente a forma como interagimos enquanto indivíduos. E a facilidade com que tantos anónimos se tornaram célebres graças a essa presença digital aumentou a pressão para que qualquer pessoa da sua área de conhecimento seguisse a mesma via, nem sempre com os melhores resultados. É realmente isto que queremos para o futuro?