O fechamento do espaço aéreo venezuelano, em meio às tensões recentes na América do Sul, é mais do que um gesto diplomático: é um sinal de alarme sobre o que está acontecendo com o sistema internacional. Se Estados militarmente poderosos passam a agir unilateralmente sob o pretexto de “combate às drogas” ou “segurança nacional”, abrimos um precedente gravíssimo. Ademais, revela algo muito mais profundo do que uma crise regional: expõe a falência de um sistema internacional submetido aos humores de líderes que, por ciclos eleitorais curtos, acreditam ter licença para redesenhar unilateralmente a ordem global. O presidencialismo, tal como praticado por algumas potências, transformou-se num mecanismo perigoso: a cada quatro anos surge alguém convencido de que pode refazer, ignorar ou subverter normas internacionais sem considerar as consequências planetárias de seus impulsos.

Nenhum país sério minimiza os efeitos destrutivos do narcotráfico, mas isso não concede carta branca para intervenções que desprezam o direito internacional e fragilizam a ordem coletiva. A verdade incômoda é que vivemos a mais profunda crise de legitimidade desde 1945. A invasão do Iraque sob falsas alegações, as sanções extraterritoriais contra a Venezuela, a conivência seletiva diante da tragédia em Gaza e a normalização de ações unilaterais como na Guerra da Ucrânia, transformaram o direito internacional em instrumento de conveniência — aplicado quando interessa, ignorado quando incomoda. Quando os pilares do sistema violam as regras que deveriam defender, a mensagem enviada ao mundo é devastadora: força vale mais do que norma, a reconhecida “Peace through Strength” (“Paz através da Força”).

A América do Sul, historicamente uma zona de estabilidade, agora sente os impactos dessa desordem. Ao admitir que potências determinem, sozinhas, quem pode ser alvo de medidas unilaterais de força, estamos minando o princípio mais básico da convivência entre Estados: a soberania. Se tal lógica prosperar, nenhum país estará protegido, e qualquer disputa política ou econômica poderá ser travestida de operação “preventiva”.

A comunidade internacional precisa compreender a magnitude do problema. Não se trata apenas de contestar um incidente isolado, mas de enfrentar a corrosão sistemática do direito internacional promovida por aqueles que deveriam fortalecê-lo. Permitir que essa tendência avance é aceitar um mundo regido pela arbitrariedade. Restaurar a credibilidade das normas globais é, hoje, não apenas uma necessidade jurídica, mas uma condição para a própria sobrevivência da ordem internacional. Como a Europa atuará diante dessa arbitrariedade?