Portugal conseguiu um feito histórico, um excedente orçamental de 1,2% do PIB em 2023. Este “excesso” permitiu a redução da dívida pública em relação ao PIB mais acentuada e a diminuição da dependência dos mercados para o refinanciamento da dívida, que, ano após ano, é “rolada”, ou seja, adiado o pagamento.
Mas, afinal, de onde vem o excedente? Em economia refere-se frequentemente que a melhor forma de reduzir a dívida é criando inflação. Ora, os dois últimos anos foram a demonstração prática do que aprendemos na teoria económica.
Em condições normais, quando o preço dos bens e serviços sobe, a arrecadação fiscal aumenta e o Estado consegue arrecadar um valor superior em impostos, logo, reduz dívida, pois o aumento dos salários no Estado é muitas vezes visível apenas no ano seguinte. Assim, o Estado consegue uma folga suplementar durante um ano.
No caso dos portugueses, tratou-se de uma transferência de riqueza dos contribuintes para o Estado. É certo que a imigração, os residentes não habituais ou nómadas digitais têm contribuído, também, para a dinâmica da economia interna, mas à falta de oferta pressionam ainda mais o preço dos bens.
Outra falácia do excedente é que ele não é permanente. Vimos de um ano excecional de receitas orçamentais, mas basta que a atividade económica diminua ligeiramente para que o resultado orçamental mude de rumo. Assim, falar em folga orçamental quando o país ainda deve o equivalente a um ano de riqueza do PIB parece ser excessivo.
A pressão sobre os governos para gastarem os recursos de um ano é enorme, muitas vezes à custa de hipoteca futura. Tal como nos mercados as rentabilidades passadas não são garantia de rentabilidades futuras, com este excedente passa-se o mesmo, é passado. A responsabilidade do novo governo é grande, pois terá de saber gerir os recursos, executar os planos de investimento na educação, saúde, justiça, os mesmos que não foram executados e ajudaram a financiar o excedente de 2023.
Curioso é que, em novembro de 2023, comentava-se acerca da criação do equivalente a um fundo soberano nacional com o valor do excedente. Pergunto se esse fundo iria financiar a construção de hospitais, a melhoria das condições nas escolas, a construção de infraestruturas cruciais para o desenvolvimento do país, ou se era uma folga para o pós 2026, para as dificuldades que Portugal vai enfrentar findo o PRR.
Esta perda do poder de compra do contribuinte foi, na realidade, um aumento do poder do Estado, com um custo social apenas visível nos próximos anos.