Sempre que se altera o statu quo de um setor qualquer há sempre discussão. O certo é que as “coisas” vão mudando, sobretudo as que mais dependem da tecnologia e se a legislação não se adaptar, passa a ser um travão ao progresso.

O setor da eletricidade carecia de uma atualização/adaptação à nova realidade. Atualmente a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis já tem um peso muito importante e, como tenho defendido, nomeadamente aqui no Jornal Económico, o sistema de mercado marginalista não serve para o atual mix de geração. Não é bom para o produtor por levar a uma grande volatilidade no preço, e é muito pior para o consumidor que iria pagar, mantendo o sistema como está, os preços da geração fóssil, mais elevados que os da geração renovável.

O Decreto Lei 76/2019 de 3 de junho (DL 76/19) trouxe umas quantas atualizações ao setor elétrico, entre elas o permitir leilões para atribuição de potência, o que irá trazer mais transparência ao sistema e um abaixamento de custos para o consumidor quando as novas centrais entrarem em funcionamento.

Pessoalmente, tenho grandes esperanças de que o leilão que se realizará, ao abrigo do DL 76/19, no início de próximo mês, resulte e traga os benefícios esperados, mas como tudo o que é inovador terá ainda arestas a limar. Estamos contudo no bom caminho. O abaixamento que se espera deste leilão, daqui a dois ou três anos, não será muito grande de início, pois a eletricidade que irá ser gerada pela potência rondará os 4% da consumida no país. Mas nessa altura já os custos com os CIEG (Custos de Interesse Económico Geral) serão menores, e também o peso da Dívida Tarifária estará substancialmente reduzido.

Houve, porém, duas questões que estranhei no DL 76/19 e que devem ser corrigidas, pois irão produzir efeitos contrários ao que julgo serem pretendidos para cumprir o PNEC 2030 e o RNC 2050. Refiro-me à substituição de aerogeradores antigos, o chamado repowering, mesmo com um ligeiro aumento de potência. O DL 76/19 considera esta alteração como um projeto novo, e como tal sujeito a um processo de licenciamento como o de um projeto novo.

Sabemos que o licenciamento de uma central eólica leva em média cinco anos, e também se sabe que a nova Diretiva das renováveis impõe para o repowering um licenciamento simplificado e que demore até um ano. Não sei como o Governo pretende conciliar estas duas realidades, mas a manter-se o que agora se regulou, quem perderá é Portugal por não ver o seus equipamentos geradores atualizados, podendo produzir mais eletricidade e a menores custos.

A outra questão é a das pequenas unidades de produção para as quais se previu uma tarifa igual à média dos valores obtidos nos leilões. Não é correto, sendo isto dissuasor da instalação deste tipo de instalações, pois o seu custo por kWh é mais elevado do que o das centrais dos leilões, como também as perdas na rede das pequenas centrais, por estarem mais perto dos locais de consumo, são inferiores.

Se já não faz sentido o sistema atual, um sistema com um valor inferior a menos de metade do atual também não faz qualquer sentido. Talvez uma tarifa a meio caminho fosse mais condicente com os objetivos, pois como diz o povo “no meio é que está a virtude”.