Os últimos dias foram os mais avassaladores da história do Bloco de Esquerda. Seguindo o princípio de que quem semeia ventos, colhe tempestades, o Bloco vê-se desmascarado no seu imenso farisaísmo. Não surpreende os mais atentos, mas é letal para a manutenção da toada moralista e inquisidora da intervenção pública que adoptou como afirmação política. O dedo em riste de Catarina Martins tornou-se uma caricatura da podridão que o Bloco incarna.

Os tempos de Louçã, Fazenda e Helena Pinto agregavam esta dureza de actuação a um rigor que se impunham, por obra de uma passado de resistência e afirmação neste espaço político. O facto de Louçã viver numa casa de charme milionária, ou ter bons rendimentos de uma carreira académica de sucesso, é irrelevante em termos políticos, colocam-no na dita esquerda caviar, mas não fazem dele um político desonesto por si só. O rigor UDP de Fazenda e Helena Pinto, imprimiam no Bloco aquele lado mais espartano e quase ascético.

O Bloco fez-se entre o lado burguês e mais diletante dos discipulos de Louçã e o lado operário e organizado da UDP que seguiu Fazenda. A nova geração de bloquistas, porventura, a mais arrivista de todo o espectro político português, não soube estar à altura do legado que lhe foi entregue, nem intelectual nem politicamente.

Os casos politicamente graves no Bloco não começaram com Robles. Igualmente escandaloso, ou pior, porque intencionalmente desonesto e lesivo do erário público, foi o caso do deputado bloquista que, morando em Lisboa, deu a morada da sede do Bloco em Braga para usurpar deste modo subsídios públicos a que não tinha direito. A história dissolveu-se entre os casos de deputados do PS e PSD que faziam o mesmo, mas está lá e é prova do falso moralismo do Bloco.

Não saberia o Bloco deste expediente desonesto? Desconheceria o uso de uma morada oficial do partido? Indignou-se com esta manifesta vigarice? Perante a prevaricação pública e notória de um dos seus mais influentes, assobiaram para o ar, deixaram-no cair o mais discretamente que lhes foi possível e criaram novos factos para apagar o rasto deste. De um modo geral, escaparam sem o dano que imputariam a outros em semelhante situação.

Outro episódio recente terá passado mais ou menos despercebido, mas não terá sido menos reprovável por isso. A morte de João Semedo, sentida com sincero pesar por todos quantos o conheciam, e geradora de uma onda de consternação natural, dado o carácter cordial e próximo de Semedo, mostrou mais uma vez a natureza de Catarina Martins e de quem a acompanha.

A absoluta ausência de escrúpulos com que transformou a homenagem póstuma do Rivoli num comício pró-eutanásia, revela a massa de que é feita a liderança do Bloco e quem a segue em consciência. Vale tudo, numa toada permanente do mais puro populismo e oportunismo político, vale inclusivamente o uso sabujo da partida de um camarada de sempre.

O caso Robles é o último de muitos, e seguramente o mais estrepitoso. Tão estrepitoso quanto as investidas de Robles contra aqueles que faziam exactamente o mesmo que ele! Robles é a caricatura fiel do Bloco, é a incarnação dos grandes hipócritas, um verdadeiro dono disto tudo. Sim, a reacção de Catarina Martins e do Bloco contra a imprensa livre é, exactamente, a de quem se acha dono disto tudo. O despotismo evidente, e já habitual, a mentira como defesa, a ameaça velada, a arrogância sem fim mostram a qualidade de gente que suporta o actual Governo de Portugal.

O caso Robles não é, na sua essência, um caso do foro legal, embora se deva investigar e esclarecer todas as dúvidas que nesta área sejam suscitadas. O caso é eminentemente político e de carácter. Robles não é um militante anónimo do Bloco, e a primeira reacção de Catarina Martins, atabalhoada, mentirosa e intimidatória, mostra mais cumplicidade e solidariedade que reprovação ou arrependimento.

Robles, promessa política do Bloco, bradava incisivo sob os holofotes contra tudo aquilo que fazia na sombra. Nenhum dos camaradas sabia? Robles mostra-nos com estrondo um modo de estar na vida e na política, ao nível do pior que temos memória. A indignação indigna de Catarina Martins e a defesa manhosa de Mortágua, mostram-nos que todo o Bloco é Robles.

Ontem, 48 horas depois de afirmar que não se demitia, por não haver razões para tal, Robles demitiu-se com razões privadas. Catarina e o Bloco continuarão, com deputados fajutos no cadastro, falta de escrúpulo na morte dos camaradas e dirigentes seguramente mais atentos para não serem apanhados nas suas profundas hipocrisias. O dedo em riste, esse só nos poderá dar vontade de rir; a mesma que dará a Costa na negociação do próximo Orçamento.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.