Alguém anda a tomar notas do que diz o Bloco de Esquerda agora que é partido do Governo? Ficámos a saber que o Estado hoje gasta menos com a Saúde do que gastava no pico da crise, em 2012: 4,3% em 2018, contra 4,6% em 2012. Catarina Martins veio explicar que isto não significava menos dinheiro para a Saúde porque a economia tinha crescido. Para sermos absolutamente rigorosos, de facto, isto não quer dizer que tenha havido uma redução dos gastos com a Saúde. Mas quer dizer algo igualmente surreal, sobretudo vindo de quem vem. Quer dizer que, apesar de termos crescimento, este Governo não se sente obrigado a fazê-lo refletir na qualidade do Serviço Público que o Estado presta em áreas que até um ultraliberal concorda que devem ser asseguradas pelo Estado, no mínimo a quem não pode pagar esse serviço.
Da esquerda ouvimos sempre falar em reposições de direitos dos funcionários públicos, mas nunca uma palavra sobre o seu financiamento. Repusemos as 35 horas na Saúde para gáudio dos sindicatos mas, por causa dessa “reposição de direitos”, a despesa disparou para conveniência da classe e não das pessoas a quem serve: todos nós. Gastamos sem reformar. Gastamos para repor direitos, não para servir melhor. O Estado devia ser ‘todos nós’, mas o que sabemos é que a fatura chegará para ser paga unicamente pelo setor privado, para quem o Bloco e a esquerda se está literalmente nas tintas como se fôssemos cidadãos de segunda. Que penaliza com novos impostos castigadores da iniciativa privada.
Já que a “percentagem do PIB” é o argumento do Bloco para dizer que não houver cortes na Saúde, usêmo-lo também para dizer que a carga fiscal em 2017 se situou nos 34,7% do PIB. Este é o valor, em percentagem do PIB, mais elevado desde pelo menos 1995, primeiro ano em que há estatísticas para este indicador. Em termos relativos, este número representa um aumento de 0,4 pontos percentuais do PIB face ao verificado em 2016. O PIB cresceu. Os impostos também. A quem beneficia então o crescimento? Que alívio podem sentir os portugueses que não veem reposto o direito de pagar menos impostos porque a economia está bem e recomenda-se? Para onde vai o aumento da riqueza nacional e a quem serve?
É nas discussões de orçamentos que se torna evidente que é preciso acabar com a geringonça. O Bloco de Esquerda vem falar de confiança na democracia para justificar porque é que os professores têm razão na sua indignação e devem ver repostos os seus rendimentos. Porque, diz Catarina Martins, era o que estava no Orçamento do Estado anterior. Que é preciso cumprir a Lei. É preciso descongelar as carreiras na função pública. Porque era o que estava na Lei. O OE de 2019 tem de ser de avanços, diz o Bloco. Mas que avanços?
É óbvio que os funcionários públicos perderam com a crise. Perdemos todos. O desemprego acima dos 17% foi a fatura do setor privado. A redução dos salários (real e em percentagem do PIB, para usar essa métrica que agora agrada ao Bloco) foi a fatura do setor privado. Quem regressou ao mercado de trabalho regressou pior. Aceitou um país mais magro porque era o único disponível. Dirão que não é o Estado que tem benefícios a mais, é o privado que tem a menos. A diferença é que só o segundo é obrigado a lidar com a mortalidade. Porque o Estado é imortal. Pago por todos nós, mas sem servir a todos.