Há algum tempo que o mundo se encontra dividido entre um desejo de inverter a tendência de aceleração das alterações climáticas e a dependência extrema de combustíveis fósseis para o crescimento económico. Apesar de termos assistido a alguns progressos no sentido de minimizar a última, continuamos a mover-nos demasiado devagar no que toca a descarbonizar a economia.

O impacto da pandemia de Covid-19 vem agudizar esta dicotomia. Apesar de, recentemente, termos assistido a uma queda das emissões, ela reflete-se num consequente período de recessão económica pela inevitável redução ou paragem das atividades produtivas na grande maioria dos países.

Sem medidas ativas para a promoção de uma retoma económica de baixo carbono, a verdade é que o nível das emissões acabará por aumentar significativamente. Por isso, de modo a atingirmos uma redução duradoura nas emissões, serão necessários estímulos para os agentes económicos adotarem energias limpas e novas iniciativas que reduzam as emissões de carbono.

Nos últimos 20 anos, as emissões de CO2 cresceram cerca de 62,4% segundo a Agência Internacional de Energia. Em 2019 este crescimento estabilizou graças ao papel cada vez maior das fontes renováveis (principalmente energia eólica e energia solar), pela substituição de combustível com base em carvão para gás natural e maior produção de energia nuclear. Mas é importante que se perceba que o atual estado da economia poderá representar um grande desinvestimento neste setor.

No início de 2020 era esperado que o investimento global de energia crescesse 2%, o que seria o maior crescimento em seis anos. Mas após a pandemia, a Agência Internacional da Energia, espera que este ano haja um decréscimo de 20% ou uma perda de 400 mil milhões de dólares de investimento.

O recente acordo pelo Conselho Europeu relativo ao fundo de recuperação “Próxima Geração UE” e o novo quadro financeiro plurianual vêm dar sinais positivos em relação ao reflexo das preocupações ambientais nas políticas públicas. A área da Ação Climática terá 30% da despesa total deste pacote de recuperação económica, sendo essas verbas dedicadas a projetos relacionados com as alterações climáticas, e ambicionando cumprir o objetivo da UE de neutralidade climática até 2050 e as metas climáticas da UE para 2030, bem como o Acordo de Paris.

No entanto, o caminho mais linear para atingir a descarbonização reside não só em metas desenhadas por líderes e decisores políticos, mas na capacidade de apostar em tecnologias que tenham em vista objetivos a longo prazo. Neste sentido existe algum consenso no domínio público sobre as principais ações. Destacam-se seis passos essenciais para atingir este patamar:

1. Produção de eletricidade 100% limpa: trata-se de uma medida de grande impacto, uma vez que se refletirá na redução de emissões por parte de todos os agentes consumidores de energia elétrica. Envolve o estímulo a mais investimentos para penetração de energias limpas, como por exemplo renováveis, não apenas em grandes centrais de produção, mas também no estímulo ao aumento da produção distribuída, que pode ser vista como ferramenta para a democratização do setor da energia com o arranque mais generalizado da criação de comunidades de energia renováveis (CER).

2. Criação de comunidades de energia renováveis: a criação de valor por via das comunidades de energia tem várias dimensões. Os benefícios das CER vão além das vantagens económicas para os seus membros, acumulam benefícios ambientais pelo aumento da utilização das energias renováveis, benefícios sociais pela agregação de esforços e sentido de pertença na comunidade, benefícios na redução de perdas e custos de expansão das redes uma vez que a energia é produzida e consumida localmente. As comunidades de energia são um primeiro passo para a democratização da energia e para o combate à pobreza energética.

3. Maior eletrificação dos consumos: como no setor da mobilidade, que tem grande impacto no consumo global de combustíveis fosseis. A par do crescimento da mobilidade elétrica, outros setores comerciais, industriais ou domésticos têm ainda muito espaço para a sua eletrificação, nomeadamente, nos sistemas de produção de frio e de calor tanto em casas e edifícios, como nos processos de fabrico que recorrem a sistemas que necessitam funcionar a altas temperaturas.

4. Maior eficiência energética: o aumento da eletrificação nos diferentes setores deve vir acompanhado de uma permanente atenção à eliminação do desperdício que continua a ser muito elevado e tem um grande impacto nos consumos totais de energia. A eficiência na utilização dos materiais é também crítica, sendo necessário privilegiar uma economia circular onde a redução dos consumos vem acompanhada da necessidade de reutilizar e reciclar.

5. Introdução de combustíveis sintéticos renováveis: não sendo fontes de energia primárias poderão ser solução para os setores com maiores dificuldades em eletrificar. O setor da aviação por exemplo, pode ver aqui uma solução, principalmente para voos de longo curso que exigem combustíveis líquidos de alta densidade. A solução do hidrogénio é cada vez mais identificada como fator crítico de sucesso para a neutralidade carbónica até 2050. A sua viabilidade está a ser estudada como uma alternativa para a redução da utilização de combustíveis fosseis.

6. Aposta nas redes elétricas inteligentes: os avanços nas tecnologias digitais estarão ao dispor do sector da energia e terão um papel central na orquestração de todos os recursos energéticos da rede. Tecnologias como big data, inteligência artificial, IoT, e blockchain virão apoiar tanto os gestores das redes elétricas na garantia e segurança do fornecimento de energia, como permitindo que os consumidores de energia possam melhorar a sua eficiência energética e ter um papel ativo no mercado de energia, disponibilizando maior flexibilidade das suas cargas à rede, transacionando energia com os seus pares e beneficiando de menores custos de energia e menor pegada de carbono.

Para concluir, é importante referir que o desafio da descarbonização da economia é uma das componentes de um desenvolvimento sustentável. De acordo com o World Economic Forum, mais de 800 milhões de pessoas ainda vivem sem acesso à eletricidade, e centenas de milhões apenas têm acesso a eletricidade muito limitada ou pouco fiável.

Sabe-se que a prosperidade económica está intimamente ligada ao acesso e consumo de energia, por isso, embora seja crucial todo o esforço na descarbonização, para que a transição energética seja uma realidade e contribua para um desenvolvimento sustentável será fundamental que se atue em simultâneo em três vetores distintos: segurança e acesso à energia, desenvolvimento e crescimento económico e sustentabilidade ambiental.