Num artigo anterior que publiquei no Jornal Económico, defendi que a integração da inteligência artificial (IA) no ensino é inevitável e necessária. Hoje, quero dar um passo além: não basta integrar é preciso reformular o pensamento. O verdadeiro desafio não está nas ferramentas, mas na forma como pensamos a aprendizagem, o conhecimento, a aquisição de competências e até o próprio papel do ser humano num mundo onde as máquinas também aprendem.

A IA obrigou-nos a olhar para o espelho. E o reflexo mostra uma escola e um ensino superior, na sua maioria, ainda preso a modelos de pensamento do século XX, centrados na transmissão de conteúdos e na previsibilidade do conhecimento. No entanto, o mundo que se desenha à nossa frente é o da imprevisibilidade, da interconexão e da aprendizagem contínua. Como podemos preparar pessoas para um futuro incerto com um pensamento ainda moldado por certezas antigas?

Não é apenas o mercado de trabalho que está a mudar é a própria lógica de como o trabalho e o conhecimento coexistem. A IA não substitui apenas tarefas, substitui modos de pensar lineares, funções repetitivas, respostas automáticas. E é, precisamente por isso, que o ensino superior precisa de se recentrar no que as máquinas não têm: curiosidade, empatia, ética e imaginação.

Reformular o pensamento significa abandonar a ideia de que aprender é somente acumular informação. A IA faz isso infinitamente melhor do que nós. Significa perceber que aprender é ligar pontos, construir sentido, criar pontes entre áreas e saber fazer perguntas que ainda não têm resposta. É neste território que a inteligência humana continua insubstituível.

Mas esta mudança não acontecerá se continuarmos a usar novas ferramentas para sustentar velhas práticas. Podemos ter algoritmos no lugar dos manuais, chatbots nas tutorias e simuladores nas aulas, mas se o pensamento que orienta tudo isto continuar hierárquico, rígido e avesso ao risco, pouco mudará. O que falta não é tecnologia é acima de tudo visão.

É tempo de educar para o incerto, para o inacabado, para o que ainda não existe. E isso exige coragem. Coragem para admitir que os nossos modelos de ensino já não bastam. Coragem para abrir espaço à experimentação, à colaboração e à falha construtiva. Coragem para aceitar que o conhecimento já não é estável, e que o ato de aprender é, mais do que nunca, um processo criativo.

A IA não é o fim da escola. É, talvez, o seu recomeço. Mas só se tivermos a ousadia de repensar, não apenas as estruturas, mas o modo de pensar que as sustenta. Porque a sociedade que conhecemos está a mudar a uma velocidade que não permite hesitação. O futuro não será necessariamente de quem souber usar melhor a IA, mas sim de quem souber pensar diferente com ela.