Estamos chegados ao momento chave e decisivo das negociações entre a União Europeia e o Reino Unido. A 25ª hora dos negociadores centra as diferenças na questão da abertura da fronteira da Irlanda do Norte com a República da Irlanda e nas dissensões dentro do governo britânico. Mas a crise do abandono britânico apenas precipita anunciados problemas que a Europa não pode ignorar.

A União enfrenta mais uma vez as dificuldades com que se tem confrontado na última década. Perante a crise do euro, agravada com a crise dos migrantes, que espalha problemas pelo sistema partidário europeu e em cada um dos sistemas políticos nacionais dos 27, proporcionando a ascensão dos extremos, nacionais e populares.

A Europa autofágica tenta desesperadamente manter-se unificada, mas debate-se com sucessivas crises de afirmação. O discurso europeu sofre continuados revezes com a sensibilidade nacional a superar o espírito comunitário e os poderes nacionais a assumirem uma preponderante soberana.

As migrações têm provocado ondas de choque sucessivas na Alemanha, Hungria, Áustria ou Suécia, entre outros. Ainda não recuperámos da crise das dívidas soberanas e novas tensões se amontoam, face à irredutibilidade reclamada pelo governo italiano de exercício orçamental autónomo. A nova distribuição dos fundos europeus a partir de 2020 – pedra de toque de consolidação do espírito comunitário – poderá ser a nova prova dos nove e o grande desafio das discussões europeias futuras.

A pouco mais de meio ano do exame nas eleições europeias de maio próximo, o cenário não é animador. Com o aparente desaparecimento do centro político e a escalada de partidos de direita, extremistas e populistas, a racional discussão sobre o futuro da Europa tem sido cada vez mais desprezada.

As estruturas europeias carecem de uma transfusão de sangue. A Europa do discurso politicamente correto corre riscos perante parceiros internacionais, entre amigos e adversários. Dos Estados Unidos de Trump virados exclusivamente sobre si mesmos, à Rússia que cresce em autoridade e despreza a União quando anexa a Crimeia, alarga influência no Mediterrâneo e cria novos aliados, como a Turquia que se afasta depois de ter ensaiado ser aceite nesta Europa. Enquanto isso, lenta e paulatinamente, a China alarga influência e domínio em África, fenómeno que aparentemente todos gritantemente ignoram.

A UE e o Reino Unido entretêm-se a discordar para manter as aparências de cumprimento do direito europeu e na salvaguarda do politicamente correto. Sem acordo, o Reino Unido vai precipitar-se em guerrilhas internas, atingindo em primeira linha o partido conservador, responsável pela situação face a um injustificável referendo. As discussões sobre o processo do Brexit não vão deixar boa memória, interna e externamente. Ninguém quer perder a face, mas no final todos – instituições europeias, estados e cidadãos – vão ser derrotados, haja ou não acordo. O processo foi iníquo desde o início e a sua conclusão vai traduzir este processo ínvio.

O ideal europeu continuará a decair face ao crescimento dos extremismos e populismos, até com a eventualidade – suprema ironia – de o próximo Parlamento Europeu vir a dispor de uma composição antieuropeia significativa. Daqui à desgovernação será um pequeno passo e um enorme retrocesso. No absurdo, ganham as minorias, mas que assustam mais alto.