Durante os 30 debates televisivos que decorreram ao longo de duas semanas, na pré-campanha das eleições legislativas, foram tímidas e insatisfatórias as referências às necessidades das famílias com filhos e a incentivos natalistas. À esquerda, a descida da natalidade parece ser um problema somente na medida em que põe em causa a sustentabilidade do actual sistema de segurança social.
Os nascimentos são potencialmente úteis porque servem a preservação de sistemas sociais intocáveis; não são os sistemas, eventualmente reformáveis ou substituíveis, que existem para servir o bem-estar e o melhor interesse das famílias. Assim, o natalismo à esquerda tem o principal propósito de engrossar fileiras de novos membros de um “esquema Ponzi” ou esquema em pirâmide.
Por sua vez, o programa do PS inclui os desafios demográficos entre as suas prioridades, porém, como se depreende da diversidade temática e generosidade de promessas que lhe são habituais, muito estranho seria que não se incluísse nesse documento, muito sonante, mas pouco vinculativo, o “elefante na sala” dos países desenvolvidos no século XXI. Acresce que a experiência dos últimos seis anos de governação indicia que o Partido Socialista não se mostra preocupado em devolver capacidade de decisão e de poupança às famílias, o que leva a crer que a continuidade dos incentivos actuais significará que as pessoas continuarão a enfrentar um custo de vida proibitivo e muito penalizador para quem, neste contexto, arrisca ter mais do que um filho.
Já quanto aos partidos ditos de direita, registam-se algumas propostas da parte do CDS, do PSD e do Chega, focadas sobretudo no alívio fiscal às famílias e na conciliação entre as responsabilidades familiares e o trabalho. Porém, os líderes destes partidos verbalizaram muito pouco a este respeito durante os confrontos partidários a que pudemos assistir. Assinale-se ainda, que, lamentavelmente, a Iniciativa Liberal não encontrou espaço em nenhuma das suas mais de 600 páginas de programa para a palavra “natalidade”. Talvez os seus proponentes esperem que um incrível alívio fiscal, a concretizar-se, tenha o potencial de gerar um baby boom.
Para além da omissão por parte da maioria dos líderes partidários quanto ao que pode ser feito para contrariar as tendências demográficas em curso, é importante assinalar uma clara tomada de posição do primeiro-ministro sobre esta matéria durante o debate com o líder do CDS. Quando Francisco Rodrigues dos Santos referiu a desejabilidade de descer o escalão de IRS por cada filho nascido, António Costa retorquiu sem hesitação que essa seria uma medida muito injusta porque beneficiaria as “famílias com mais posses” ao valorizar os filhos de acordo com o rendimento de cada família. Seria interessante descobrir qual é o conceito de “família com posses” na opinião do Primeiro-Ministro e se ele entende que ter vários filhos é uma opção de luxo.
Não é novidade que, na visão socialista, auferir um rendimento médio já pode ser entendido como ostentação de riqueza, ao mesmo tempo que a sociedade se vê nivelada em misérias. Mas quando o líder do PS propõe que será suficiente atribuir, a partir do segundo filho, um tecto de 900 euros para deduções à colecta no IRS, revela grande desconhecimento ou indiferença perante as necessidades diárias das famílias, especialmente das numerosas, recusando-se a compreender que uma família com filhos cria uma economia de escala e de partilha. A menos que o objectivo das políticas socialistas seja estimular um modelo familiar de filho único, a referida proposta é irrisória.
António Costa ignora também que as despesas com os filhos tendem a aumentar em proporção ao rendimento da família, devido ao tipo de investimento que é priorizado na criação dos filhos. Considerando o actual custo de vida em Portugal, acentuado pela litoralização da nossa economia e pela asfixia fiscal a que os portugueses estão sujeitos, um investimento mais generoso realizado por famílias maiores não significa que elas sejam muito esbanjadoras em bens e serviços supérfluos. Significa, sim, que enfrentam despesas pesadas com habitação, alimentação, vestuário, electricidade, água, impostos sobre habitação e veículos, deslocações e avultados (e pouco reutilizáveis) investimentos em educação.
Importa notar que as medidas natalistas que os partidos portugueses vão anunciando aos poucos, não são particularmente inovadoras e já fazem parte da rotina de vários países europeus, como a Suécia ou a França. No entanto, serviços e transferências generosas por parte dos Estados não têm gerado subidas das taxas de natalidade para o nível da reposição geracional e estão longe de ser uma panaceia para o problema. Verifica-se, por exemplo, que a eficácia de medidas como a gratuitidade das creches traduz-se na maior integração laboral das mães, sem que daí resulte uma maior predisposição ou disponibilidade para aumentar a dimensão da família.
Posto isto, ainda que as políticas natalistas de apoio à família sejam bem-vindas considerando as condições difíceis que as famílias portuguesas enfrentam, é fundamental ter consciência de que os padrões reprodutivos não se alteram por decreto, já que também são influenciados por motivações de ordem social, ética e cultural. A resposta aos desafios demográficos não pode reduzir-se a pequenas ajustes tecnocráticos, mas exige antes um compromisso político e simbólico que dê centralidade à família enquanto primeiro organismo de socialização, de criação de capital humano e de transmissão cultural.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.