A pandemia de Covid-19 deu origem a uma crise de credibilidade da China. Teorias da conspiração à parte, sabe-se hoje que o país ocultou dos seus cidadãos e do mundo informações relativas à doença no afã, tão imbecil quanto inútil, de manter a imagem da sociedade perfeita na qual, sob a paternal e diligente tutela do Partido Comunista, nada de mal sucederá ao povo, que goza do privilégio de ser governado por tão iluminada elite dirigente. Porém, sobejam razões para não reconhecermos grande reputação ao país, sobretudo desde que Xi Jinping assumiu o comando.

O presente líder chinês é tido como um homem da linha dura e parece empenhado em fazer jus a tal reputação: o misterioso desaparecimento de cidadãos críticos da gestão governamental da pandemia, a promulgação da lei de segurança nacional em Hong Kong, que compromete o princípio de “um país, dois sistemas” a que o governo se tinha comprometido aquando da transição da soberania do território ou o tratamento persecutório e agressivo das minorias muçulmanas,  demonstram que, no que à política interna concerne, o senhor Xi Jinping governa com mão de ferro.

Na política externa, habitualmente discreta e focada em evitar fricções e conflitos, as coisas estão também a mudar. As reacções destemperadas às críticas feitas por dirigentes políticos de vários países pondo em causa a honestidade chinesa na divulgação de dados do Covid-19, os conflitos recentes na fronteira com a Índia ou a expedita decisão de encerramento do consulado norte-americano em Chengdu, como resposta à ordem de Washington de encerramento do consulado chinês em Houston, mostram que o “dragão” se começa a mostrar feroz.

Se a ferocidade nas suas relações com o mundo é um traço recentemente revelado pelo mítico animal, as suas manhas são sobejamente conhecidas e têm-se acentuado: a China é especialista em roubo de propriedade intelectual, causando avultados prejuízos a empresas de todo o planeta e, tal como a Rússia, dedica-se à pirataria de Estado, comprometendo sistemas informáticos e espalhando boatos e notícias falsas, numa “guerra” de acosso e provocação contra os países ocidentais.

Subitamente, os governantes do mundo livre parecem ter-se apercebido que a China não só não é digna de confiança como, sendo um país comunista, nunca deixou de ser um adversário das democracias, algo que as nações do Ocidente convenientemente procuraram esquecer, mas a China não. Chegou o tempo da política e não da mera gestão das contas, para cujo equilíbrio o dinheiro chinês tantas vezes recomendou assobios para o lado.

A administração norte-americana, apesar do namoro inicial, parece agora ter encarado a China como ameaça. E está certa, mas tratando-se de um governo confrangedoramente estúpido e desprovido de princípios, tem desprezado as alianças com as restantes nações democráticas, enfraquecendo uma histórica unidade, indispensável ao combate aos inimigos da liberdade, entre os quais a China tem revelado empenho em destacar-se.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.