“Precisamos de ser lúcidos e reconhecer que a nossa Europa é mortal. Pode morrer. Tudo depende das escolhas que fazemos, e essas escolhas precisam ser feitas agora”, Emmanuel Macron, presidente da França
As eleições europeias são tradicionalmente pouco interessantes para os eleitores. Seja pela perceção de distância institucional e do conceito de “Europa”, seja porque existe uma conceção de que pouco influi diretamente no dia a dia das pessoas, esta relação foi sempre mais neutral e o ato eleitoral menos participado. A União Europeia (UE) sempre foi mais relevante para a vida dos europeus do que estes percecionavam, sendo que, na última década, foi absolutamente decisiva para manter um status quo que tomávamos por garantido.
Atualmente, o papel da União pode bem ultrapassar as linhas tradicionais do livre comércio e da estabilidade financeira. A resposta concertada da UE na crise sanitária terá sido, talvez, o momento em que foi mais visível um federalismo europeu de lógica mais política e menos comercial. No entanto, o conflito na Ucrânia e o espetro de uma escalada militar no Velho Continente, a par das divisões políticas relacionadas com o controlo de imigração ou de revindicações por uma maior coesão e mobilidade social, resultam numa maior pressão por parte dos cidadãos junto dos políticos de Bruxelas. E isso pode, também, transformar um pouco a forma mais neutral como todos nós olhamos para as eleições europeias.
A ‘federalização’ militar e a geoestratégia comum europeia são uma nova fronteira
A agenda dos próximos anos será exigente. À cabeça, o regresso de uma cortina de ferro entre Leste e Ocidente e o espetro de uma nova escalada militar exigem uma resposta da Europa. Durante décadas, o Velho Continente negligenciou a necessidade de uma política comum de defesa militar, considerando, por um lado, que os riscos de uma guerra em larga escala eram reduzidos na sequência do final da guerra fria, e por outro, que a estrutura da NATO e o papel dos Estados Unidos pareciam ser suficientes para garantir a segurança.
Tudo isto é, atualmente, posto em causa. A União Europeia terá que tomar decisões sobre uma potencial reconstrução da estrutura militar dos estados membros, a par do posicionamento a assumir numa série de frentes que estão associadas a esta perspetiva de escalada militar. Bem como no que isso implica no equilíbrio das relações de aliados como os Estados Unidos. Pode parecer simples, mas, à semelhança do que aconteceu na crise financeira, apesar de algumas iniciativas, não existe uma estrutura militar das instituições europeias e, na prática, a UE estaria aqui a abrir uma nova frente de integração continental.
No passado, foi amiúde levantada a discussão da integração de forças armadas comuns, mas sem sucesso. Para já, parece certo que a NATO – fundada no propósito de confrontar a União Soviética no palco europeu – deverá ser reforçada, continuando a ser o principal mecanismo militar unificado. Resta saber se, em paralelo, a UE construirá um caminho para uma estrutura e logística militar federal e autónoma dos Estados Unidos.
A demografia, desafio que não se resolve apenas com mais imigração
Sabemos hoje que existe uma acelerada alteração da pirâmide demográfica nos países desenvolvidos. A taxa de natalidade tem vindo a diminuir nas últimas décadas e o tempo médio de esperança de vida tem vindo a aumentar progressivamente. Isto significa que existem cada vez menos jovens em idade ativa para trabalhar, o que cria também maior pressão no mercado de trabalho – reforçando a necessidade de integração de populações imigrantes para fazer face a este problema, o que tem vindo a criar pontos de tensão na sociedade e a exigir uma maior atenção às políticas públicas, no sentido de se criar uma coesão cultural sustentável.
As dinâmicas demográficas serão, efetivamente, uma variável relevante para entender a forma como o mundo desenvolvido vai crescer economicamente e, também, como irá sustentar o seu modelo social, ou velocidade a que os países conseguem adotar as medidas necessárias para tornar uma economia mais digital ou ambientalmente sustentável. Na União Europeia, assim como em Portugal, este é, e será, sem dúvida, um fator incontornável nas próximas décadas.
‘Bottoms’ up’: os próximos anos deverão exigir decisões decisivas e maior integração
A União Europeia tem muito trabalho pela frente, que irá exigir mais compromissos e uma maior integração, muito além do propósito fiscal e económico do propósito fundador. O conflito na Ucrânia trouxe de volta o clima de guerra fria, e pode levar a que um projeto comum militar, complementar à NATO, entre na agenda. Sobretudo, existem também incontornáveis desafios no campo das políticas públicas demográficas. A relevância é decisiva, mas a discussão atual em torno dos fenómenos migratórios, enquanto solução única de estabilização do problema de natalidade dos países europeus, é redutora.
Há, também, que cuidar dos incentivos às famílias europeias para aumentarem a natalidade, e olhar mais para a coesão social e cultural no que diz respeito à integração das comunidades imigrantes. O trabalho em prol do aprofundamento da identidade europeia e da coesão demográfica e social será fundamental para garantir que o projeto europeu não se perde pelo caminho. E este dificilmente poderá ser realizado sem maior integração fiscal e política.