1. Como não há política sem intenções, admito, sem esforço, que o PSD é animado pelo ambiente eleitoral no ‘timing’ da apresentação deste projeto-lei que pretende transferir para Coimbra as sedes do Tribunal Constitucional (TC), da Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos Políticos, que funciona junto do primeiro, e do Supremo Tribunal Administrativo.

Não vejo nada de mal nisso.

Do outro lado, e pese a piedosa declaração de António Costa sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que “não é do PS, é do País” – curiosamente feita num comício de apoio ao candidato do PS/PAN por Aveiro, enquanto secretário-geral e não numa visita na qualidade de primeiro-ministro –, também todos já vimos a forma como muitos socialistas se posicionam e falam do PRR como se esse instrumento financeiro fosse algo seu e que só eles podem, sabem, e terão direito a, manejar.

A política sempre se fez, e fará, assim. Cabe, portanto, a cada um de nós descontar o acessório e pensar sobre o essencial, que, neste caso, é refletir no país que temos e naquele que queremos.

2. Obviamente que Portugal, sendo um território pequeno, pode e deve descentralizar.

O Tribunal Constitucional em Coimbra é como o principal aeroporto de serviço à capital poder ser em… Beja. Se fizer sentido económico, porque a estrutura principal já está construída e a linha de alta velocidade dedicada seria mais barata, por que não? Os cerca de 137 km (em linha reta) feitos em 40 minutos seriam algo de razoável para os voos de longo curso, sendo que isso seria fantástico para reanimar a economia de toda uma região.

Quando se fala em apostar no interior deve olhar-se para todos estes grandes projetos. E o que vale para Lisboa em relação ao País também é válido para o crescente gigantismo do Porto face a todas as outras regiões do Norte.

3. O que retenho deste episódio, que hoje (sexta, 17 de setembro) será votado na Assembleia da República, não é, portanto, o debate político. Esse está a fazer-se e apenas noto a suprema ironia da direita querer mudar e da esquerda se abster (para tudo continuar na mesma).

Aquilo que me parece fundamental é perceber a reação corporativa dos juízes do TC que consideraram “improcedentes” os três argumentos com que o PSD justifica o seu projeto-lei: reforço da independência do poder judicial face ao poder político; descentralização das instituições e a centralidade geográfica de Coimbra associada à representatividade no plano do ensino do Direito.

“A transferência seletiva da sede de um órgão de soberania, baseada em qualquer critério que não seja o da natureza e dignidade constitucional das funções que desempenha, não poderia deixar de constituir um grave desprestígio”, dizem os juízes do TC.

4. Não sei se os juízes do TC, no momento da elaboração deste parecer maioritário, que não foi unânime, felizmente, se deram conta da gravidade do que escreveram. Na prática, reagiram como um qualquer vulgar sindicato quando toca a defender as regalias da classe.

“Desprestígio” mudar de Lisboa para Coimbra? A palavra, que convoca as reações que para aí se espalham, justamente, é grosseira e não deveria lembrar a um juiz em início de carreira, quanto mais a membros do coletivo mais importante da magistratura.

Descentralizar, dar coerência a todo o território, mudar estruturas que façam mover os ponteiros da economia deve ser uma prioridade nacional, sobretudo se não forem decisões avulsas, sem nenhum racional, como o foram as três secretarias de Estado mudadas por Santana Lopes para Guarda, Bragança e Castelo Branco.

Desprestígio, nesta questão, só vejo um: o dos juízes do TC não perceberem as responsabilidades acrescidas que têm e a importância das palavras. Quanto ao resto, o PS, que nomeou seis dos atuais 12 juízes (seis dos quais vivem em Lisboa e um no Barreiro) tratará do resto com a abstenção que, juntando toda a ‘geringonça’, deve fazer a vontade ao juízes do TC.