Há famílias que fazem do trabalho um legado e da memória uma força. Na Casa Ermelinda Freitas, são as mulheres que seguram o tempo: firmes, dedicadas e corajosas. Mas há um homem Manuel João de Freitas Júnior a quem a filha, Leonor Freitas, também conhecida como “Ermelinda” , quis fazer justiça com a criação de um novo vinho “O Destemido”.
Leonor Freitas, a alma da marca e a mulher que fez florescer o que o pai começou, lembra a história da família marcada por uma forte presença feminina, onde muitos homens morreram cedo. Mas afirma que o pai não pode também ser esquecido: “Ele era o destemido. Nunca teve medo do controlo social e das críticas do mundo rural. Acreditou sempre em mim e nas mulheres, quis que estudasse e incitou a minha mãe a tirar a carta de condução. Era alguém à frente do seu tempo.”
A homenagem materializa-se em duas linguagens que se encontram: a do vinho, expressão líquida de um território e de uma linhagem, e a da arte, pelas mãos de Olga Noronha, artista plástica que transformou o vidro numa tela e o tributo num gesto tangível.
“O vinho é uma arte”, afirmou Leonor Freitas, “e o rótulo é outra forma de arte”. Uma dupla criação que dá corpo e alma a uma história familiar, cruzando a tradição vitivinícola com a expressão contemporânea. “Há arte dentro e fora da garrafa”, disse Leonor Freitas, sorrindo, enquanto segurava o vinho como quem segura uma história.
O vinho, assinado pelo enólogo Jaime Quendera, resulta da combinação de Castelão, Syrah, Alicante Bouschet e Cabernet Sauvignon. Estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês e americano e amadureceu depois 24 meses em garrafa. “O resultado é um vinho intenso, com aromas complexos, textura aveludada e um final longo e sofisticado”, descreveu o enólogo, sublinhando que se trata de “um vinho capaz de durar 20 anos”.
No palco do MUDE, a cumplicidade entre o enólogo Jaime Quendera e Leonor Freitas tornou-se evidente. Conheceram-se há muitos anos em Bordéus, quando Leonor viajou de carro com o marido até esta cidade francesa conhecida pelo vinho, determinada a introduzir novos métodos e uma adega moderna. Jaime, ainda jovem e cheio de iniciativa, destacou-se de imediato: curioso, energético e sempre pronto a experimentar, tornou-se não só colaborador, mas uma presença essencial na família e na história do vinho.
Um rótulo que é uma escultura
Mas “O Destemido” não se distingue apenas pelo que está dentro da garrafa. A artista e investigadora Olga Noronha criou um rótulo-escultura, uma peça única que transcende o objeto e o transforma em experiência sensorial. “A ideia foi não estar confinada a um rótulo de papel, impresso e colado mecanicamente, mas adaptar uma escultura em pequena escala do que habitualmente faço”, explicou. Uma peça que fosse mais do que um rótulo, um símbolo de força, de resistência, de eternidade. O desenho é uma leitura sensível do caráter de Manuel João de Freitas: a estrutura metálica, firme e elegante, evoca a robustez e a delicadeza, a solidez de quem constrói, mas também o traço humano de quem sente. Cada garrafa foi lacrada manualmente e cada rótulo é diferente: “Nenhum encaixa no outro. O processo de lixagem e gravação é feito um a um”, contou.
O desenho do contorno do rótulo é uma anamorfose da Península de Setúbal, onde se localiza a Casa Ermelinda Freitas e uma linha subtil percorre a peça desde a assinatura da artista até à bicicleta “pasteleira”, símbolo do meio de transporte que Manuel João de Freitas usou para irreverente ir conhecer o Norte do país, marca o tributo de forma íntima e poética.
Na apresentação intitulada “O Destemido no MUDE: Vinho e arte em simbiose”, Bárbara Coutinho, diretora do museu, destacou a força do diálogo entre arte e território: “O vinho é uma expressão da nossa cultura material, e o design pode ser um veículo extraordinário para contar as histórias, os gestos e as emoções que o acompanham.”
O designer João Pedro Rato destacou a singularidade do projeto: “Quando olhei para a garrafa, pensei: estou a comprar um vinho ou uma peça de arte?”, ao que o moderador da sessão o critico gastronómico Edgardo Pacheco respondeu a rir: “na verdade, são duas obras de arte: o vinho e a garrafa”. O designer prosseguiu: “O facto de o rótulo ser tridimensional, sair fora da garrafa, traz uma nova dimensão. Quando o rótulo é bidimensional, mesmo que tenha uma pintura, raramente alguém guarda a garrafa. Aqui, estamos perante algo que se quer conservar.”
O público, composto por familiares, amigos e figuras do mundo do vinho e da cultura, ouviu em silêncio quando Leonor recordou o pai. “Ser destemido é não desistir, mesmo quando tudo parece difícil. O meu pai ensinou-me isso, e é o que tentamos levar em cada garrafa.”
“O Destemido” nasce, assim, não apenas como um vinho de homenagem, mas como uma narrativa sobre a persistência e o amor à terra. A marca Casa Ermelinda Freitas, com mais de um século de história, é hoje uma das referências do país. Mas, como Leonor fez questão de sublinhar, “tudo começou com um homem que acreditava no valor do trabalho e com mulheres que nunca deixaram cair essa herança”.
Mais do que um lançamento de um vinho que é a “joia da coroa” da Casa Ermelinda Freitas, o evento no MUDE foi uma celebração sobre coragem. Um vinho que é, no fundo, uma história de amor e de gratidão, passada de geração em geração. “O Destemido” é assim mais do que um nome é uma afirmação e um modo de estar no mundo. Na fusão entre o vinho e a arte, a Casa Ermelinda Freitas reafirma-se como símbolo da força e da identidade portuguesa: feita de trabalho, beleza e emoção contida.
Este conteúdo foi produzido em parceria com a Casa Ermelinda Freitas.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com