Escrevo este artigo de um dos mais belos locais do mundo (para mim), num contexto de privilégio imenso por poder passar estes dias a reforçar a alma e o espírito em sessões inspiradoras que associam arte, beleza e valores com sustentabilidade, ação e compromissos.
Na Suíça, em Caux – uma montanha que observa Montreux de cima – o Palácio de Caux, inicialmente pensado para ser um hotel de luxo nos anos 1900, acabou por se confrontar com duas guerras mundiais que levaram à falência a empresa que o construiu. Em 1944, o governo suíço reabre o palácio, tendo servido como local de acolhimento de soldados britânicos durante a Segunda Guerra Mundial, bem como de judeus vindos da Hungria. Dois anos depois, cerca de 100 cidadãos suíços compraram o palácio e criaram a Fundação Caux para gerir o espaço e estabelecer o Centro de Conferências para o Re-Armamento Moral, iniciado em 1938 pelo luterano americano Frank Buchman.
O Palácio de Caux tem sido um espaço para se procurar a paz: no pós Segunda Guerra Mundial realizaram-se várias reuniões entre delegações francesas e alemãs em prol da reconciliação entre os dois países separados pela guerra; os líderes políticos japoneses reúnem-se em Caux com os seus antigos inimigos após a devastação provocada pelos ataques nucleares de Hiroxima e Nagasaki; o Palácio de Caux torna-se uma referência para os esforços de reconciliação e de criação de confiança entre os vários povos de vários continentes…
Em 1994, The Caux Round Table, iniciada em 1986 como uma iniciativa conjunta de executivos de topo de empresas europeias, japonesas e americanas, lança os “Princípios de Caux para as Empresas”, um dos primeiros códigos internacionais de ética empresarial. Durante a primeira década dos anos 2000, esforços de paz e reconciliação para o Burundi e a região africana dos Grandes Lagos têm lugar no Palácio de Caux… O Palácio continua, assim, a procurar a paz.
Em 2001, a fim de melhor adaptar os seus objetivos institucionais como uma rede global, o Centro de Conferências para o Re-Armamento Moral é renomeado como “Initiatives of Change”, continuando o seu trabalho como uma organização dedicada à construção de confiança no mundo e entre pessoas e instituições.
Hoje, as “Initiatives of Change” da Fundação Caux passam por conferências internacionais únicas em temas como direitos humanos, gestão responsável e ética, construção de confiança entre nações, entre vários outros. Esta semana, a conferência é sobre os “Inner Development Goals”, ou seja, as caraterísticas que o ser humano necessita de ter para conseguir implementar a agenda 2030. E assim, tenho o privilégio de estar, pela segunda vez, neste local que respira história em prol da paz, que discute futuros possíveis, sem limites e sem julgamentos.
Numa altura em que os temas ESG se tornam quase banais, com leis, regulamentos, check lists, rankings e prémios; numa época em que as empresas são reconhecidas pela sua gestão sustentável, mas onde o greenwashing também poderia ser um prémio atribuído (existisse coragem e uma economia verdadeiramente livre e assente no mérito), colocam-se questões: estamos de facto a mudar a forma como gerimos empresas? Ou estamos a responder a check lists de normativos e a perguntas dos nossos investidores e clientes? Estamos a usar os mesmos métodos do passado para lidar com os novos problemas do presente e do futuro?
A verdadeira mudança na gestão empresarial só ocorre se os seus gestores de topo acreditarem, e sentirem, que o seu dever é, de facto, cuidar dos outros e não estar apenas focados em aumentar o seu bónus no final do ano. Como gestor de topo, esta pessoa não é um cidadão ‘normal’. É alguém que conseguiu chegar a uma posição que pode influenciar, mudar e impactar muitas pessoas e a economia.
Como tal, essa pessoa é um cidadão com mais privilégios do que a maioria da população, mas também com muitos mais deveres e obrigações. Tem acesso a mais informação, é mais capaz de processar informação e tem os meios para desenvolver as suas competências emocionais que lhe permitirão crescer como pessoa, e, dessa forma, ter um verdadeiro impacte na sociedade.
Estarei a ser moralista e utópica? Ou até mesmo estúpida ou paternalista? Não penso que esteja a ser nada disso. Estou apenas a equacionar o caminho que estamos a seguir no ESG e se esse caminho está a ser verdadeiramente interiorizado pelos nossos gestores.
Questiono se os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a maioria das empresas identifica (e que eu ajudo a identificar), estão incorporados nas dimensões de liderança pessoal d@s CEO e dos membros do Conselho de Administração. Questiono se, para além da identificação dos ODS prioritários para a empresa, não deviam os gestores de topo também ser capacitados para desenvolverem internamente as competências que necessitam para que verdadeiramente sintam, pensem, relacionem, colaborem e sejam agentes de transformação.
Será que há CEO e elementos dos Conselhos de Administração em Portugal com coragem para fazer esta caminhada? Penso que alguns sim… e talvez possam participar num dos próximos eventos da Fundação Caux, e compreender e sentir que está na altura de cuidarmos uns dos outros, sem vergonha e com orgulho.