Comemora-se amanhã, 9 de maio, mais um Dia da Europa. O 68º desde que, naquele longínquo 9 de maio de 1950, Robert Schuman, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros convidou a Alemanha – e outros Estados que se lhes quisessem juntar – a colocar em comum, debaixo do controlo de uma Alta Autoridade supranacional, as respetivas produções de carvão e aço.
Eis a forma “engenhosa” encontrada pelos paladinos da construção europeia para impedir a repetição da tragédia que havia sido a Segunda Grande Guerra, dita mundial pelos seus efeitos mas exclusivamente europeia pelas suas causas e motivos, para repetirmos o que o Professor Adriano Moreira não se cansa de repetir e de nos ensinar.
Assim, aquele já distante 9 de maio transformou-se no ponto alfa da edificação de um projeto europeu, ambicioso sem igual e sem igual nem semelhante na rica e vasta história do Velho Continente. Até então, todas as tentativas de conferir um mínimo de organização política ao continente europeu tinham tido sempre uma premissa incontornável – haviam-se baseado, sempre, num unilateralismo frequentemente alicerçado num projeto militar e recorrendo quase sempre à razão da força.
O que, naquele 9 de maio de 1950, Schuman e os demais pais fundadores ofereceram ao Velho Continente radicava em duas caraterísticas nunca antes tentadas. A organização política proposta para o novo continente deveria ser mutuamente consensual e voluntariamente querida por todos os seus participantes; e o método deveria ser diametralmente oposto: a razão da força deveria ser substituída pela força da razão.
Desde esse distante 9 de maio de 1950 até aos nossos dias, o Dia da Europa foi assinalado e festejado de formas diversas – com mais entusiasmo ou menos ênfase, à medida e ao ritmo dos sucessos e insucessos que o projeto europeu foi conhecendo, numa trajetória irregular que correspondeu à evolução que a própria História se encarregou de registar.
Não é, assim, de estranhar que, em alguns dos anos mais recentes, algumas vezes nem se tenha dado pelas comemorações do Dia da Europa. Sobretudo entre 2007 e 2013, de facto, havia muito pouco para assinalar, festejar ou comemorar. A União Europeia viveu os mais conturbados e críticos anos da sua existência – verdadeiros anos de chumbo, como alguns já os designaram – e os motivos de sucesso radicavam mais na lembrança dos feitos passados do que no assinalar de êxitos presentes.
Essa fase crítica em que, não tenhamos medo das palavras, foi a própria existência da União Europeia que esteve em causa, começou, lentamente, a ser desanuviada e ultrapassada. Não que os problemas e os desafios tenham deixado de existir; mas, sobretudo e essencialmente, porque o bom-senso parece ter-se reaproximado dos decisores políticos europeus e a recuperação económica que, entretanto, começou a dar sinais de retoma, parece tê-los reconduzido ao caminho da busca dos entendimentos e das soluções no quadro europeu e comunitário.
Há problemas ainda prementes no quadro europeu? Decerto.
O Brexit irá, pela primeira vez na História, confrontar a União Europeia com a saída de um dos seus Estados-membros. Da sua segunda economia mais poderosa, de um Estado que era contribuinte líquido para o orçamento comunitário, do Estado que possui o maior exército no âmbito da União e daquele que estava mais vocacionado para conferir à UE a sua dimensão transatlântica, efetuando pontes com o agora imprevisível aliado norte-americano.
No domínio da união económica e monetária, o pilar da união bancária continua por completar, mormente com a criação de um fundo europeu de garantia de depósitos. A errância da nova liderança norte-americana pode ter a virtualidade de vir a colocar a UE como um ator mais relevante e mais útil em vários conflitos que se travam nas suas fronteiras e na sua zona de interesses estratégicos. A afirmação de uma dimensão político-militar é, assim, assunto que não pode ser descurado nem olvidado. E a coesão social e as formas de combater esse verdadeiro flagelo que é o exército de desempregados que continua a assolar os Estados da União, mais do que nunca exigirão uma resposta política comum e concertada entre os 27.
Tal como os desafios humanitários colocados pela onda de refugiados que não param de demandar solo europeu e que constituiu um problema de direitos humanos que só a cooperação reforçada e fortalecida entre os Estados da União permitirá, se não resolver, pelo menos atenuar ou minorar.
Desafios, pois, é coisa que não falta à UE quando esta celebra o 68º aniversário do que foi convencionado designar como Dia da Europa. Mas, da mesma forma que, há poucos anos, estes e muitos outros desafios eram vistos como obstáculos quase inultrapassáveis tal o estado de depressão coletiva em que a Europa da União se encontrava, hoje em dia é forçoso que esses mesmos, e todos os outros, desafios com que a Europa se defronta sejam vistos como uma janela de oportunidade renovada para fazer progredir e avançar o projeto de integração da Europa.
Sem nos deixarmos manietar nem condicionar por preconceitos pré-estabelecidos ou por modelos pré-elaborados porque, se há coisa que a História da construção europeia já nos ensinou é que este processo anda sempre à frente dos modelos, dos conceitos e dos paradigmas. A Europa da União, desde o seu nascimento, foi nascendo, foi crescendo e só posteriormente foi teorizada e conceptualizada. E se quiser continuar a aprofundar-se, assim há-se continuar a ser.