Está em consulta pública o anteprojecto do Código de Actividade Bancária (CAB). Porém, mais importante, seria o Banco de Portugal começar por divulgar o relatório “Costa Pinto”, sobre a actuação do regulador, nomeadamente do governador em funções na altura, no caso ESFG/BES e no desfecho que conduziu à resolução em Agosto de 2014.

A capacidade de ser transparente é fonte de legitimidade quando se procede a uma consulta pública sobre um anteprojecto que terá que ser aprovado pelo Parlamento e quando se pretendem poderes muito mais alargados do que aqueles que os cidadãos têm concedido, até agora, ao regulador.

Isto dito, esteve bem o regulador ao sujeitar a consulta pública o anteprojecto que o dotará de mais instrumentos de actuação na área da supervisão comportamental. Se aprovado, será um passo positivo porque vem obrigar a maior transparência das estruturas de participação social dos grupos de accionistas relevantes.

Igualmente importante, será positivo porque proíbe a concessão de crédito para a aquisição de instrumentos financeiros dos próprios bancos ou dos seus accionistas de referência. Acresce que tem sentido, e reduz a complexidade, criar uma tipologia única de sociedade financeira, com capital social escalonado em função do objecto autorizado, bem como dotar o regulador da capacidade de impor multas diárias relevantes. Tal como é importante limitar a colocação de instrumentos financeiros próprios em clientes de retalho, ainda que o limiar de 100 mil euros pareça decalcado de outras praças financeiras e possa ser muito restritivo.

É igualmente interessante a menção expressa à possibilidade de proibição dos bancos operarem com jurisdições pouco cooperantes em matéria de partilha de informações, mais relevantes no caso da prevenção do terrorismo e branqueamento de capitais. Mas, nesse caso, o que dizer de praças financeiras, algumas europeias, que demoram anos a responder a cartas rogatórias da justiça portuguesa sobre coisas como beneficiários efectivos de contas e movimentos financeiros? Onde está a “lista negra” dos países pouco cooperantes?

Porém, conferir ao regulador o poder de afastar accionistas, forçando a venda de posições ou inibindo de forma provisória os seus direitos de voto, com base em suspeitas sobre a sua idoneidade ou incapacidade de os acionistas dominantes fazerem aumentos de capital ou tomarem empréstimos subordinados, já nos parece um passo menos amadurecido. Creio ser uma pretensão muito marcada por um caso específico e, repito, o famoso relatório “Costa Pinto” pode não legitimar este reforço pretendido de poder.

Como sempre, esta consulta pública é bem-intencionada, mas o diabo está nos pormenores, e não resulta óbvio que estejam suficientemente garantidas as liberdades e direitos constitucionais. Sabemos que iremos colocar na mão do regulador mais competências e poderes, que poderemos dificultar a atratividade de captação de capitais para a banca e que bancos com sede em Portugal terão dificuldades adicionais face aos concorrentes sediados fora do país.

O anteprojecto deveria ter sido precedido de um relatório onde o regulador clarificasse que tinha aprendido com os processos BPP, BPN, ESFG/BES, fizesse uma demonstração inequívoca que tinha diminuído a sua dependência em relação a processos declarativos e que tinha igualmente adquirido as competências de investigação e preditivas verdadeiramente preventivas. Tal não aconteceu.

Ainda assim, como cidadão e bancário, relevo a qualidade técnica do documento e a sua oportunidade. Contudo, importa frisar, legislar apenas não chega.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.