O Governo que resultar das eleições legislativas de janeiro não terá a vida facilitada no plano económico, porque a era do dinheiro fácil e barato está a chegar ao fim. Assim que terminarem as munições da bazuca, os países da UE, que se endividaram fortemente durante a pandemia, vão ter de fazer contas à vida.
Um caminho possível será a negociação para mudar das regras orçamentais, como defendeu o ministro das Contas Públicas francesas em entrevista ao JE, há duas semanas. Olivier Dussopt mostrou-se também convicto de que, em caso de crise, o BCE fará o que for necessário para ajudar os países mais endividados. Uma afirmação que talvez peque por excessivo otimismo.
O fator decisivo será a inflação, que está no valor mais alto das últimas décadas (4,9% na zona euro). Ao contrário da Reserva Federal e do Banco de Inglaterra, que já tornaram claro que as taxas de juro irão subir, dadas as tendências inflacionistas, o Banco Central Europeu (BCE) ainda resiste e indica que os juros não deverão subir antes de 2023.
A maioria dos analistas continua a acreditar que o BCE não irá retirar estímulos e subir os juros antes de 2023, mas o que acontecerá se, ao contrário do que se espera, a inflação não for um fenómeno transitório, nomeadamente se a subida dos preços for seguida de um aumento generalizado dos salários? Esta possibilidade não pode ser descartada. O risco que existe é o BCE ser mais tarde obrigado a emendar a mão de forma abrupta, com consequências ainda mais gravosas para a retoma e para as contas públicas dos países mais endividados, como Portugal, Itália e Grécia, levando a um aumento significativo dos seus spreads face à dívida alemã. O primeiro teste será o fim do gigantesco pacote de estímulos que o BCE implementou há um ano para fazer face à pandemia (PEPP), que deverá ocorrer a partir de março. Este cenário está a causar alguma especulação nos mercados, sobretudo em relação à dívida italiana, numa altura em que se espera que Mário Draghi deixe a liderança do governo de Roma para se candidatar à presidência da República.
Entretanto, na Alemanha, país onde os preços subiram 6% no espaço de um mês, os tablóides já apelidam Christine Lagarde de “Madame Inflação”, culpando-a pela erosão crescente do poder de compra. Esta conjuntura é terreno fértil para os populismos, tanto nos países do “norte” como nos do “sul”, colocando em risco o projeto europeu.
No fim de contas, embora a zona euro esteja hoje mais bem preparada para enfrentar crises do que há dez anos, o facto de cada país continuar a emitir dívida em separado, sem um tesouro comum, vai continuar a ser o seu calcanhar de Aquiles. O sistema aguenta enquanto os países do “norte” aceitarem financiar os do “sul” e o BCE tiver arcaboiço para imprimir dinheiro sem fim, com todos os riscos daí decorrentes, a começar pelo financiamento de bolhas no imobiliário, criptomoedas e outros ativos. Quando a realidade nos bater à porta, a zona euro poderá ter pela frente uma crise gravíssima, como alertou há dias Poul Thomsen, o antigo representante da Troika em Portugal. E em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão, como em 2011/13.
Por tudo isto, o próximo Governo terá de ter condições para reduzir o défice e a dívida, tomar medidas difíceis e impedir que Portugal seja arrastado para uma nova crise. Não será tarefa fácil e talvez a possibilidade de um bloco central – tão criticada pela maioria dos comentadores – não seja a pior solução. Ou um cenário em que, à falta de uma maioria estável, o Presidente da República opte por uma solução do tipo “Draghi”.