A greve é o conflito laboral colectivo por excelência, mas é também, dada a sua natureza abertamente conflitual, o de mais difícil enquadramento jurídico. É, por via da sua irrenunciabilidade, considerada um direito fundamental de todos os trabalhadores, acabando por constituir o mais importante meio de acção directa ao dispor dos trabalhadores. É um direito dos trabalhadores, e apenas dos trabalhadores.

Esta é considerada um instrumento extremamente eficaz de autotutela de interesses laborais dos trabalhadores, utilizado com o intuito de tornar eficazes as pretensões dos trabalhadores, imprimindo força e eficácia à actividade sindical, na medida em que, além de promover a melhoria da situação dos trabalhadores, visa também defender esses mesmos de qualquer violação aos seus direitos e garantias operada pela entidade patronal.

Desde logo, cumpre esclarecer que o legislador não contemplou uma definição de “greve”, persistindo um “silêncio legal” justificado pelo facto de não se procurar restringir o exercício do direito à greve através da demarcação do rol de condutas colectivas merecedoras de tal qualificação, sob pena da sua própria compressão.

Na globalidade, a nossa doutrina define-a como “a abstenção colectiva e concertada da prestação de trabalho por um conjunto de trabalhadores com vista à satisfação de objectivos comuns”. Apesar de não ser alvo de uma definição legal, o conceito de greve é um conceito jurídico flexível. Ainda assim, não é um conceito aberto, no sentido de que nele caiba uma gama ilimitada e indiferenciada de comportamentos conflituais colectivos dos trabalhadores.

Torna-se necessário clarificar que a greve não é um direito ilimitado dos trabalhadores, devendo este mesmo direito ser disciplinado, de forma a que só possa ser exercido quando não colida desmesuradamente com outros direitos conflituantes. Por esta razão, em caso de conflito, deverá atender-se às regras naturais do abuso de direito e de boa-fé na ponderação da licitude, ou ilicitude, de um dado movimento grevista, nunca esquecendo que mesmo durante a sua pendência todas as partes da relação laboral deverão agir respeitando os ditames de boa-fé.

Daqui subjaz que não deverá ser promovida uma necessária diferenciação entre modalidades do exercício do direito à greve, uma vez que não poderemos apelidar de greve aquilo que efectivamente não possa ser visto como tal. A distinção prática obtém os seus alicerces nos comportamentos adoptados e nos interesses e objectivos prosseguidos com o seu exercício.

Tipicamente, a greve implica apenas a abstenção da prestação de trabalho. Todavia, são cada vez mais frequentes actuações grevistas onde não ocorre uma efectiva ou total abstenção da prestação de trabalho, mas apenas uma perturbação na sua realização, ou uma própria abstenção acompanhada por outros comportamentos destinados a prejudicar deliberadamente o empregador. Em confronto com este modo de exercício, impõem-se aferir se esta tipologia de actuações grevistas é liminarmente ilícita ou se algum exercício atípico do direito à greve poderá, extraordinariamente, ser considerado lícito.

Naturalmente que tal merecerá um juízo casuístico de avaliação, devendo a ilicitude das greves ser ponderada com base em determinados critérios/fundamentos. Tais como: se a greve prossegue fins ilícitos (p.e. se foi desencadeada com o intuito deliberado de enfraquecer economicamente a empresa); se é uma greve que desrespeita as normas legais que disciplinam o exercício deste direito; se é uma greve que, pelo seu exercício, viola princípios jurídicos fundamentais como o da proporcionalidade, adequação e a supra mencionada boa-fé, sustentando-se tal ponderação na origem de prejuízos exorbitantes ao empregador; se implica um deficiente cumprimento da actividade laboral, contrariando a abstenção da prestação efectiva de trabalho; e/ou, naturalmente, se é uma greve não motivada por questões laborais.

Deste modo, a aferição da licitude ou ilicitude de uma greve deverá ser realizada atendendo à situação concreta e tomando em conta os comportamentos adoptados em cada movimento grevista, bem como os interesses e objectivos que determinam esse exercício do direito à greve. De salientar que, “a ausência de trabalhador por motivo de adesão a greve declarada ou executada de forma contrária à lei considera-se falta injustificada”. Se assim não fosse, e tal como é a intenção no recurso a greves atípicas, o trabalhador “manipularia os deveres contratuais”, mantendo uma prestação de trabalho que lhe possibilitasse auferir a sua retribuição, enquanto simultaneamente não cumpria todos os deveres laborais a que está adstrito.

Em jeito de conclusão, refira-se que o modo de exercício do direito à greve encontra-se numa altura de grandes transformações. As organizações sindicais estão cada vez mais “inovadoras”, adoptando novas modalidades de greve susceptíveis de causar um maior prejuízo na esfera das entidades empregadoras sem enveredarem por uma abstenção total da prestação de trabalho.

Se é verdade que os movimentos grevistas são executados para causar prejuízos nas entidades empregadoras, não menos verdade é que o limbo entre a licitude e ilicitude das greves é, atento as últimas modalidades evidenciadas, cada vez mais estreito. E, por muito que a greve sirva como “reequilibrador” da relação de forças entre trabalhador-empregador, que pende para o segundo atenta a fragilidade e debilidade que assolam individualmente os trabalhadores na relação laboral, a verdade é que não podem os grevistas olvidar a observância pela adequação e proporcionalidade da sua actuação, sob pena de incorrerem numa conduta grevista ilícita com consequências, desde logo, de foro disciplinar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.