Com a globalização as economias ficaram crescentemente interligadas, situação que favoreceu a transação de fluxos financeiros e de mercadorias. A generalização do capitalismo financeiro assentou no princípio do fim da interferência do Estado nos mercados e na eliminação das barreiras comerciais. A liberalização do comércio significou a abertura aos mercados internacionais através da remoção das barreiras protecionistas obrigando os países a transferirem os recursos das atividades menos produtivas (como os serviços públicos) por outras, supostamente, mais produtivas. Por sua vez, a liberalização dos mercados de capitais, implicou o desmantelamento das regulamentações destinadas a controlar o fluxo de capitais especulativos que entram e saem dos países. Simultaneamente, incentivou-se a privatização da maior parte dos setores económicos tendo como pressuposto a ineficácia do Estado em gerir recursos e a sua propensão para gerar desperdício. Estes três pilares caracterizam os princípios fundamentais do denominado Consenso de Washington que orienta o neoliberalismo desde os meados dos anos 70 do século passado.

Paralelamente, com a intensificação do capitalismo financeiro, alguns autores anunciaram a emergência de um “mundo plano” para as deslocações das pessoas, no qual o espaço dos lugares tenderia a perder importância sendo gradualmente substituído por redes e fluxos horizontais de circulação e de interfaces eletrónicos. A velocidade e a frequência das deslocações anularia assim a fixação identitária ao lugar, que tradicionalmente ancorava o conteúdo das interações sociais e relações comunitárias. Contudo, o anúncio deste admirável mundo sem fronteiras não se verificou na parte da circulação das pessoas. Pelo contrário, o que despontou foi uma tremenda desigualdade cuja expressão mais marcante se plasmou num espaço irregular que não cessa de provocar fortes disparidades entre as classes globais que circulam sem limitações pelo seu espaço plano e os mais desfavorecidos que perante a necessidade de se deslocarem embatem em enormes cordilheiras. Ou seja, a globalização financeira favoreceu fundamentalmente a mobilidade das classes mais altas e qualificadas. Não fora alguns avanços nas políticas transnacionais de abertura à circulação (como o acordo de Schengen) e o direito à mobilidade sem barreiras estaria consignado, no caso da União Europeia, a certos grupos sociais privilegiados.

No atual debate sobre a viabilidade das economias no contexto da UE e da Zona Euro, não é possível, do meu ponto de vista, pensar-se o futuro das sociedades sem definir uma posição clara sobre as dinâmicas demográficas, os fluxos migratórios e de mobilidade espacial. A este respeito as propostas protecionistas e nacionalistas provenientes da direita assumem uma posição consequente e coerente face ao fechamento das fronteiras e ao forte controlo dos movimentos migratórios, considerando que estes são uma condição imprescindível para atingir, segundo o seu ideário, a soberania financeira que possibilite o desenvolvimento da economia e o emprego da população autóctone. Para a extrema-direita, barrar a mobilidade aos mais pobres faz parte do seu programa político, não se interessando pelas consequências profundamente desiguais resultantes dessa posição, já que aos mais ricos a mobilidade dificilmente se tornará um obstáculo. Estes acabarão por ter sempre possibilidades financeiras para se moverem apesar das fronteiras.

Curiosamente a esquerda que defende o protecionismo e a via nacionalista, como um suposto caminho para a autonomia dos países de forma a estes criarem as condições de recuperação económica e social, escusa-se a produzir discurso sobre este tema. Esta perspetiva atribui uma preponderância à economia na análise das sociedades, descurando outras dimensões, que são tão importantes como o direito às mobilidades e às migrações. Na verdade, como referi num outro texto, a economia foi-se desligando da análise e da reflexão sobre a composição e a recomposição das estruturas demográficas, ao contrário do que era relativamente usual em autores clássicos.

Esta dificuldade de produzir pensamento económico e político que relacione o crescimento e desenvolvimento das economias com as dinâmicas populacionais e de mobilidade leva a que os debates sobre as alternativas políticas à esquerda estejam à partida inquinados. Isto é tanto mais verdadeiro num contexto em que os países europeus, como Portugal, caminham aceleradamente em direção a um desequilíbrio demográfico gritante para o qual a imigração pode e deve ser uma resposta possível de maneira a resolver parte desse problema. Não enquadrar, ou mesmo negligenciar, o direito à mobilidade para todos na equação do modelo económico significa pôr de lado um dos desafios mais determinantes para o nosso futuro sustentável. E sem demografia não há futuro para a economia.