Na década de 1990, os EUA adotaram uma política de tolerância zero inspirada na lógica do “Three Strikes and You’re Out”: três infrações, exclusão. Curiosamente, essa mesma lógica pode hoje ser aplicada aos próprios Estados Unidos como guardiões do dólar. Ao comprometerem repetidamente a confiança global em sua moeda, ameaçam o maior trunfo geopolítico que construíram: a centralidade do dólar.

Lembro-me de uma aula na Johns Hopkins University em que um professor, ao ser questionado sobre a dívida americana, respondeu com simplicidade: “Enquanto houver confiança no emissor, isso continuará valendo.” O valor do dólar repousa sobre confiança — e é exatamente essa confiança que vem sendo corroída.

A primeira quebra de expectativa ocorreu em 1971, quando Nixon rompeu unilateralmente com o padrão-ouro estabelecido em Bretton Woods.

A segunda, em 2008, veio com a crise financeira e o uso indiscriminado do quantitative easing: biliões de dólares emitidos para salvar bancos e estimular a economia doméstica, mas à custa da diluição do valor das reservas internacionais mantidas por outros países.

A terceira, mais recente, manifestou-se com Donald Trump, cuja agenda de reindustrialização se ampara no protecionismo, na rutura de compromissos multilaterais e na manipulação tarifária e da moeda como instrumento político. Além disso, Trump iniciou uma estratégia insana de contenção à China que assusta o Sul Global.

O dólar, antes símbolo de previsibilidade, passou a refletir a oscilação das decisões políticas internas dos EUA. A confiança, uma vez abalada, é difícil de restaurar. O mundo tem reagido: China e Rússia aceleraram a desdolarização de seus fluxos comerciais; bancos centrais têm diversificado suas reservas em ouro e outras moedas; e moedas digitais soberanas — como o yuan digital — surgem como instrumentos de soberania financeira.

A esses fatores soma-se o uso cada vez mais recorrente do dólar como instrumento de punição e coerção. Sanções econômicas, bloqueios de ativos e exclusões do sistema SWIFT têm transformado a moeda em arma política — corroendo sua neutralidade e afastando parceiros estratégicos que, antes, aceitavam a dominação americana como inevitável.

Ao empregar sua moeda como instrumento geopolítico, Washington inadvertidamente convida o mundo a buscar alternativas. Contudo, o dólar não cairá da noite para o dia. Mas seu status incontestável já se fragiliza. A moeda forte exige um emissor confiável. Se os EUA persistirem em agir como um guardião infiel, talvez descubram — tarde demais — que na economia global também vale a regra “Three Strikes and You’re Out”.