António Costa bem pode gritar que não fez qualquer ultimato ou chantagem. Os portugueses não o levarão a sério. Perceberam que o primeiro-ministro só ameaçou demitir-se porque sabia que não teria de o fazer. Foi mais uma jogada de profissional da política. Semelhante àquela que lhe abriu as portas de São Bento. Há quatro anos, conseguiu transformar uma derrota eleitoral em vitória. No momento presente logrou um duplo milagre.

Assim, por um lado, conseguiu colar o PSD e o CDS aos partidos que apoiam a geringonça e à figura de Mário Nogueira mais do que as reivindicações dos professores. Que a cola era de qualidade não restam dúvidas. Basta contabilizar as horas que Assunção Cristas primeiro, e Rui Rio depois, demoraram para se começarem a desembaraçar dela.

Uma demora eleitoralmente penalizadora porque a maioria dos portugueses dificilmente perceberá a inépcia que levou os dois partidos da oposição a aceitarem na especialidade um acordo que não acautelava os pressupostos que reclamam desde sempre para a resolução do conflito laboral que opõe os professores e o Governo. Cristas e Rio quiseram convencer os portugueses de que o previsível recuo não representará qualquer marca de incoerência.

A tentativa não parece ter corrido bem. A um mês dos santos populares, Costa está bem lançado para passar a ser visto como o político responsável e que sabe velar pelo interesse nacional. Uma jogada de mestre segundo alguns. A demonstração da fraqueza da oposição segundo outros.

O segundo milagre resultante do ultimato costista prendeu-se com algo verdadeiramente inusitado. Daí o uso da palavra milagre. De facto, a chantagem deixou Marcelo Rebelo de Sousa sem palavras. O Presidente emudeceu quando António Costa lhe comunicou a intenção de se demitir caso a lei fosse aprovada. De Belém não veio qualquer comunicado sobre a situação. O silêncio fez-se ouvir, embora haja quem acredite que nos bastidores a azáfama foi grande.

Marcelo desejava que o PSD e o CDS acordassem do pesadelo em que se tinham deixado embalar. Era a sua única esperança. Não queria ver-se confrontado com a opção entre o veto e a promulgação da lei. Seria uma escolha difícil até porque a promulgação acarretaria um novo dilema. Entre manter Costa em gestão ou convocar eleições antecipadas para um mês de férias a opção nunca seria consensual e não valorizaria a imagem que se tem esforçado por cultivar.

Face ao exposto poucas dúvidas restam de que António Costa revelou dotes de jogador. O ultimato não foi o seu último ato. Conhecia os adversários, inventou o tabuleiro e soube preparar o xeque. Pena que, para desconforto dos portugueses, a condução dos destinos de um país não se resuma a um jogo.

Talvez convenha reler Maquiavel. Pelo menos aquele capítulo onde escreveu que a manutenção de um reino nem sempre era resultante da pequena ou grande força do vencedor, mas sim, da diversidade do súbdito.