É pouco habitual a imprensa generalista dar atenção à monarquia e aos seus protagonistas. Há muito desprovidos de poder político, representantes de uma instituição vista por muitos como anacrónica e não democrática, os membros da realeza foram há muito relegados para as colunas da imprensa cor-de-rosa e para a secção de curiosidades que habitualmente preenche a parte final dos noticiários televisivos. Excepção feita aos orgãos de comunicação assumidamente monárquicos, como o britânico Telegraph ou o espanhol ABC, a imprensa pouco destaque atribui às famílias reais. Numa república, como é o nosso caso, menos ainda.
Porém, a monarquia é um sistema de chefia de Estado vigente em diversos países, sendo merecedora da aprovação da grande maioria dos seus súbditos. A Coroa é uma instituição do Estado, como o Governo ou o Parlamento, a qual, não exercendo embora funções políticas de relevo, representa a nação e a sua história e é o garante derradeiro da Constituição em caso de crise de regime, como sucedeu em Espanha, aquando do golpe militar de 1981.
Assim, a opção de escrever sobre o príncipe Filipe, duque de Edimburgo, a pretexto da sua retirada da vida pública, após mais de sete décadas de serviço ao seu país de adopção, primeiro como membro das Forças Armadas britânicas, depois como consorte de Isabel II, não se deve à falta de assunto, problema recorrente em tempo de férias, mas à pertinência do tema.
Filipe nasceu príncipe da Casa da Grécia. Contrariamente ao que seria expectável, o seu estatuto não lhe trouxe um início de vida fácil. Da sua condição de príncipe herdou o exílio e um lar desfeito, que o levaram ao Reino Unido, para casa da família materna. Naturalizado súbdito britânico, serviu com valor na Marinha, participando na II Guerra Mundial. Em 1947, casou com a herdeira do trono, abandonando, anos mais tarde, a carreira militar para se dedicar às funções de representação da Coroa.
Enquanto marido da soberana, Filipe foi confrontado com dificuldades várias. Educado num tempo em que a figura masculina era prevalecente, teve de adaptar-se a uma posição secundária numa família, que é simultaneamente uma instituição, chefiada por uma mulher. Sem funções definidas, foi forçado a encontrar a sua posição na monarquia, procurando um propósito para a “desafortunada personagem”, como a si mesmo se definia o príncipe Alberto, marido da rainha Vitória, de consorte de uma soberana reinante.
Assumindo um papel adjuvante, que desempenhou ao longo de seis décadas e meia, o duque de Edimburgo contribuiu, com o seu “constante amor e auxílio”, como salientou Isabel II no discurso evocativo do 50º aniversário do seu casamento, para manter o prestígio e a actualidade de uma instituição velha de mais de mil anos, num período de inéditos desafios. A perda do Império, o declínio do Reino Unido como potência, a era da contestação, que atravessou as décadas de 60 e 70, período conturbado que pôs em xeque as instituições tradicionais – a igreja, a nação, a família – que a monarquia encarna ou a tranformação da Casa Real numa casa das celebridades pela imprensa tablóide, foram tormentas por que passou o reinado isabelino, para cuja superação o príncipe Filipe emprestou o seu labor.
Longe de ser uma “maldita amiba”, como certa vez, com o seu famoso temperamento difícil, depreciativamente se descreveu, o duque de Edimburgo lega ao Reino Unido o seu esforço e o seu exemplo de dedicação à causa pública, tantas vezes subjugada aos interesses particulares daqueles que a servem.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.