No passado domingo, o presidente francês Emmanuel Macron teve oportunidade de se dirigir aos deputados alemães, em pleno Bundestag, e não perdeu o ensejo para, na presença da própria chanceler, Angela Merkel, voltar a formular mais um enfático e ve­emente apelo no sentido da refundação da União Europeia.

Desta feita, colocou o acento tónico da sua intervenção na reconstrução e relançamento do “velho” eixo franco-alemão que, nos idos de 50 do século passado, logrou estar na origem do lançamento do projeto europeu e que, no final dos tempos da “guerra fria”, teve no relacionamento entre François Mitterrand e Helmut Kohl o seu mais visível e marcante expoente.

Este novo e determinado apelo de Macron tem a particularidade de surgir num mo­mento absolutamente crucial da vida da União Europeia (UE).

Em primeiro lugar, surge escassos dias depois de, em Estrasburgo, perante o plenário do Parlamento Europeu, a chanceler Merkel ter aderido, pela primeira vez, à ideia lançada pelo próprio presidente Macron, de a UE ter necessidade de evoluir, um dia, para a criação de uma defesa própria, complemen­tar da que existe estruturada em torno da Aliança Atlântica, que não a deixe exclusiva­mente na dependência da proteção militar dos Estados Unidos e, neste momento, do humor errático e ambivalente do seu desajustado Presidente.

Em segundo lugar, tão ou mais importante do que isto, este apelo de Macron vem a público no exato momento em que a UE e os seus Estados-membros se encontram expectantes e atentos sobre a forma como evoluem os momentos finais da negociação do Brexit – que pode conduzir a que, pela primeira vez, um Estado-membro abandone a União.

Conhecem-se as dificuldades que o processo está a causar à pri­meira-ministra britânica, Theresa May, que se defronta com a verdadeira “tempestade política perfeita” no seu país, refém das reivindicações dos que entendem que o acordo técnico subscrito entre a UE e o Reino Unido é uma afronta para este, por ser altamente desvantajoso e prejudicial; refém daqueles que entendem que o referido acordo não vai tão longe quanto deveria ir e portanto o Reino deve sair da União sem qualquer acordo; e, por fim, refém dos que, como os seus antecessores Tony Blair e Gordon Brown, entendem que, qualquer que venha a ser a decisão da Câmara dos Comuns, a mesma deverá ser, sempre, ratificada em novo referendo popular.

A somar a todo este imbróglio, May depara-se, ainda, com a ameaça de uma moção de desconfiança em Westminster, apresentada por deputados do seu próprio partido. A escassas semanas de uma cimeira europeia especialmente convocada para aprovar politicamente este acordo técnico, a situação da chefe do governo britânico não poderia ser mais frágil nem mais débil. E é quando um dos, ainda, maiores Estados da União atravessa este clima de agitação e turbulência política, que Macron volta a acenar com a ideia do relançamento do eixo franco-alemão.

Por outro lado, a menos de um ano das próximas eleições para o Parlamento Europeu, que prometem mudar radicalmente a face e a composição desta câmara, com a emergência e representação parlamentar de posições extremistas e populistas, em que será muito difícil a União concluir com êxito o seu pilar económico e monetário, há a clara perceção de que tudo o que não for conseguido e ultimado ainda na presente legislatura europeia, dificilmente o poderá ser na próxima. Também para a conclusão ou aprofundamento desse pilar europeu, a reativação do eixo franco-alemão parece ser determinante.

A conjugação destes três fatores – e vários outros poderiam ser elencados – devem contribuir para se perceber a importância e o alcance do apelo feito pelo presidente francês. Com o simbolismo e a singularidade de ter sido feito perante os deputados alemães, em pleno Bundestag. E, sobretudo, no momento em que o mesmo foi feito.

Quem conseguir olhar para o projeto europeu para além da espuma dos dias, e do mesmo possuir um conhecimento histórico razoável, será forçado a concluir que os grandes avanços da União Europeia tiveram, sempre, na sua origem, na sua génese e na sua concretização, o selo do entendimento franco-alemão. Não existem boas razões que nos levem a concluir que, no futuro que se anuncia, as coisas se possam passar de forma diferente.

Se a Europa da União pretender dar passos seguros, pequenos mas efetivos, para tornear e ultrapassar as dificuldades com que se debate no presente, terá forçosamente de retornar a um dos princípios fundamentais assinalados pelos seus pais fundadores: a aproximação franco-alemã é condição sine qua non para a edificação de uma Europa mais unida, mais forte e mais coesa. Há 60 anos, tal como hoje, a premissa mantém-se plenamente válida e atual.

Macron voltou a apostar na cartada europeia para recuperar alguns pontos da sua popularidade perdida em França. Fê-lo de forma acertada e a Europa da União só terá a ganhar se o seu apelo for ouvido e for escutado.