A presente realidade epidemiológica e o vírus SARS-CoV-2 trazem consigo ensinamentos sem precedentes para a sociedade atual como um todo, mas também para os governos e as empresas.

Sem dúvida, trata-se da maior e mais disruptiva experiência do século à escala planetária em termos sociais, culturais, organizacionais, tecnológicos e económicos, merecendo, por isso, toda a nossa atenção. Como escreveu um dia o filósofo e humanista espanhol novecentista George Santayana, “aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo” – no contexto atual, um passado estonteantemente rápido e mutável.

Seja a título de prevenção, manutenção ou terapêutica, as intervenções medicamentosas estão presentes amiúde nos cuidados de saúde. Senão, pensemos: quantas vezes foi a uma consulta e saiu da mesma sem a prescrição de pelo menos um medicamento?

Ora, quando um país como a Índia, que fabrica quase 20% da produção mundial de genéricos, decide restringir o fornecimento de ingredientes-base farmacêuticos, como aconteceu no início desta pandemia, do outro lado do mundo, a FDA, a autoridade do medicamento nos EUA, fica a debater-se com os sérios impactos dessa medida sobre a cadeia global de abastecimento médico.

Esta é a mesma FDA, recorda a notícia em questão, que “há muito tempo lida com a escassez de medicamentos à medida que os fabricantes consolidaram, deslocaram a sua produção para o exterior e cortaram as vendas de medicamentos não rentáveis”, a mesma autoridade do medicamento que vem reconhecendo o impacto negativo para a indústria – e a saúde pública – dos países que promovem uma corrida para o abismo nos preços dos medicamentos e que falham em reconhecer o investimento em eficiência e qualidade da produção.

Tudo isto enquanto os especialistas do país em saúde global tentam incentivar os fabricantes a diversificar as suas fontes de materiais farmacêuticos, para evitarem a dependência excessiva de qualquer país.

Do lado de cá do Atlântico, na Europa, o mínimo que podemos fazer é tentar aprender com essas experiências, favorecendo – e mesmo apostando – numa saudável e virtuosa autonomia da produção de medicamentos e, porque não, também de dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual. E, neste contexto específico, como pode uma pequena economia aberta como a portuguesa contribuir para este debate, tendo em conta um ambiente nacional, europeu e internacional profundamente regulamentado e competitivo?

A indústria made in Portugal tem contribuído para o abastecimento, não apenas do mercado nacional, mas também de uma série de países e mercados de referência, incluindo o norte-americano, por via das suas exportações, que representam quase mil milhões de euros anualmente e colocam o país na 26ª posição do respetivo ranking global.

E, além de fortemente exportadora, evidencia níveis de qualidade e serviço ao nível dos melhores globalmente e é consistentemente inovadora, tanto ao nível da industrialização como de novos medicamentos. Aqui, destacamos, por exemplo, a recente aprovação nos EUA – provavelmente o mercado mais exigente em aprovações e o primeiro do mundo em consumo – de um novo medicamento para a Parkinson desenvolvido pela portuense Bial.

Na economia global, há que notá-lo, não há países totalmente independentes. Mas isto não implica que tenhamos de ser inteiramente dependentes das cadeias de valor globais. Dito isto, a indústria farmacêutica deve manter uma estabilidade no mercado nacional, para prosseguir a inovação, a exportação, o emprego qualificado e o forte contributo para o PIB português. Contudo, para atingir essa estabilidade, é fundamental reequilibrar a regulação entre as tutelas da Saúde e da Economia, mas também harmonizar de forma inequívoca o binómio qualidade, segurança e eficácia versus preço e acesso aos mercados.

De outra forma, a sujeição aos players que dominam as produções mundiais será cada vez maior e mais desigual. Será que é isso mesmo que queremos, continuar a evitar o elefante na sala da dependência e persistir no assobiar para o lado? Dificilmente. Os melhores desfechos da saúde pressupõem sempre as melhores respostas.