Com a chegada da segunda vaga da pandemia, a economia mundial precipita-se numa nova encruzilhada cuja resolução necessitará de políticas económicas ativas, postas em prática por instituições sólidas e credíveis. No entanto, mais uma vez os sinais são ambíguos, oscilando-se entre desenhar reformas e projetos hercúleos e temer o espectro do défice e da dívida, hesitações que ampliam a incerteza num momento ávido de estabilidade. Neste contexto, surgem também aqueles que conseguem tecer loas à austeridade, assumindo que a preocupação com a contenção dos problemas imediatos irá inevitavelmente conduzir a um descalabro no futuro.
A aceitação da intervenção da política económica, ainda que para combater recessões acentuadas, tem sido das questões mais polémicas entre políticos e académicos nas últimas décadas.
Os que advogam políticas contracíclicas, alegam que estas são indispensáveis para para atenuar os efeitos mais nefastos das recessões na economia e nas condições de vida das populações. Gunnar Myrdal, sueco, prémio Nobel da economia em 1974, reconhecido, entre outras razões, pela sua análise das flutuações económicas, defendeu a política económica de estabilização do ciclo, visando suavizar as suas flutuações e corrigindo assim picos, quer de desemprego quer de inflação.
Filho de um pai protestante e austero, que lia passagens do Antigo Testamento à hora das refeições, consta que Myrdal terá tido inspiração para as suas teorias económicas nos relatos sobre Moisés, que aconselhava que se enchessem os celeiros e acumulassem reservas nos anos de boas colheitas para compensar os anos de más colheitas.
A política económica de estabilização deveria ser gerida da mesma forma, acumulando receitas em anos de expansão económica para fazer face a uma diminuição de receitas nos anos de crise. Os chamados estabilizadores automáticos fazem parte dos manuais de macroeconomia. As mesmas regras fiscais permitem aumentar a receita em períodos expansionistas e reduzi-la em períodos recessivos, contribuindo simultaneamente para amenizar o impacto das expansões, mas sobretudo das recessões, e controlar a volatilidade económica.
Paralela a esta ideia, há ainda uma visão mais ativa para a política económica, que defende que esta deverá contrariar o (des)equilíbrio dos mercados. Esta conceção foi posta em prática pelo New Deal de Roosevelt, que engendrou a recuperação da economia americana após a Grande Depressão com recurso ao aumento dos gastos públicos, e teorizada por Keynes na sua “Teoria Geral”. É um entendimento mais ousado do que permitir uma mera flutuação dos impostos ao sabor da atividade económica, preconizando-se o estímulo da economia através da procura pública em períodos em que a procura privada se encontre debilitada.
Na última crise, a política económica pró-cíclica – a austeridade –, foi apresentada como a panaceia para todos os problemas económicos e posta em prática sob a forma de aumento da carga fiscal, através da alteração das regras fiscais existentes e redução da procura pública numa fase em que as economias batiam no fundo do ciclo.
Um pequeno exercício em torno da economia portuguesa permite analisar as virtudes da política pró-cíclica.
O crescimento médio da economia portuguesa desde a adesão ao euro foi, em geral, medíocre: dados, a preços de 2015 (AMECO, outubro de 2020), revelam que entre 2000 e 2019 este foi da ordem dos 0,7% ao ano, um dos valores mais baixos da União Europeia. Uma economia que praticamente não cresce durante 20 anos não vê ampliar a sua base fiscal, não vive anos de boas colheitas que permitam encher os seus celeiros.
O receituário da austeridade teve como efeito um crescimento médio negativo de -0,4% ao ano entre 2010 e 2015. Poder-se-ia delimitar períodos diferentes para estimar estas taxas que os resultados pouco se alterariam. Uma perceção clara dos efeitos da crise e posteriores medidas recessivas sobre o desempenho da economia portuguesa obtém-se comparando os cerca de 18.000 euros do PIB per capita em 2008 com o valor médio de 17.756 euros em 2016.
A fase que se atravessa hoje não é muito distinta daquilo que se passou após 2008. Algumas famílias sentem já quebras no rendimento que as obrigam a diminuir a sua despesa, enquanto as restantes aumentam a sua poupança, por precaução. O paradoxo da poupança, como designado por Keynes, tem um efeito negativo sobre a economia, comprometendo o seu crescimento. Neste sentido, compete ao Estado fazer o contrapeso deste comportamento de entesouramento, compensando a falta de procura interna privada com aumento da procura interna pública. O investimento público, e o seu efeito de crowding in sobre o investimento privado, poderá assim ser um forte fator de estímulo económico.
Será assim esta crise um período de oportunidades como os economistas gostam de referir? Sem dúvida, para afirmar e aplicar políticas económicas contracíclicas ativas e demonstrar a sua capacidade de promover a recuperação da economia.