É inegável que o ensino foi das áreas mais penalizadas no decurso de 2020. Ainda que a questão tenha merecido escassa comoção pública, a interrupção das aulas deixou em evidência fragilidades do contexto socioeconómico dos alunos e problemas estruturais do sistema educativo actual.

Desde logo, prevalece um ensino que mantém a família apartada e desinformada daquilo que acontece em ambiente escolar. Ao carácter turvo do calendário lectivo que se vai desenrolando com ínfimos contactos entre a escola e as famílias, acresce o desinteresse, o baixo padrão de exigência na óptica do consumidor, ou a reduzida capacidade reivindicativa dos encarregados de educação que não têm meios para enfrentar um modelo de ensino fechado em decisões administrativas e pouco sensível às necessidades e preferências dos alunos e famílias. Veja-se, por exemplo, a facilidade com que o Governo acorreu à alternativa informática durante o confinamento. Dando como garantidos o acesso a meios informáticos e o apoio familiar ao estudo, o Estado central deu provas de alienação face ao país real.

A cultura que menoriza o papel das famílias contribuiu para lançar um desafio caótico às mesmas durante a longa interrupção lectiva. Terão existido exemplos louváveis de escolas e autarquias que se mobilizaram para acautelar as fragilidades dos alunos mais afectados pela falta de meios. Porém, não é possível fazer milagres quando já subsistem outras insuficiências de base. Pensemos na importância de inculcar métodos de trabalho firmes e organizados às crianças desde muito cedo. Não é possível formar gerações cívica, intelectual e economicamente capazes se não forem treinadas na autonomia e no hábito de confronto real com as responsabilidades pessoais. Aspectos que têm vindo a ser desvalorizados.

Em segundo lugar, é inquietante perceber a leviandade com que foi tratada a questão da avaliação. Os alunos foram abandonados à sua sorte numa intermitente sucessão de fichas desconexas e de breves aulas televisivas, quando já todos desconfiávamos que os programas curriculares raramente são cumpridos.

O desinteresse pela séria avaliação dos alunos ficou visível na forma como se mergulhou de consciência tranquila no Verão de 2020 sem tentar perceber os impactos deste rebuliço no percurso escolar e profissional de cada aluno. Porém, um ensino de qualidade dependerá sempre do zeloso cumprimento de metas curriculares bem definidas. Nesse sentido, terá de existir forma de monitorar os resultados de aprendizagem ao longo dos ciclos, de modo a aferir a qualidade do ensino e diagnosticar problemas existentes, por muito que doa aos abolicionistas das avaliações.

Em terceiro lugar, finalizo sublinhando que a escola pública só conseguirá recuperar credibilidade e criar capital social para a comunidade, quando conseguir ser um espaço de propósitos, de vocações distintas e de autoridade respeitada. Uma escola de qualidade não poderá ser um espaço de facilitismo indolor, não pode temer a avaliação externa periódica nem pode deixar de responder às necessidades dos alunos e das respectivas famílias. Deve, sim, trabalhar de forma transparente com o propósito de incentivar talentos e de servir em proximidade.

Concluo com as sábias palavras do Professor José Manuel Moreira a respeito das políticas da educação, no seu livro Compreender para Mudar o Estado a que chegámos: “O saber dá gozo, mas antes custa. O saber é sempre voluntário e nunca é gratuito, como erradamente pode dar a entender o ensino dito obrigatório e gratuito. Daí que o fulgor do avanço e transmissão do conhecimento só aconteça em comunidades de aprendizagem, o que pressupõe uma institucionalização, isto é, a presença de algumas regras, a valoração de certos bens, a aquisição de hábitos, o exercício de determinadas virtudes e a prática de um esforço partilhado.” (2017, 132-133)

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.