Com o novo regime aditivado para autorizações de residência, Portugal impõe entraves burocráticos aos países a quem jura amor eterno e laços privilegiados – obviamente, sempre de lágrima ao canto do olho. A história está contada: Luís Montenegro quis passar de suavidade ao rigor, sinalizando uma súbita mudança no clima de acolhimento dos não-comunitários.
Embora sem o histerismo securitário do Chega, havia razões para a correção de rumo: o PS passou anos a olhar para o lado e deixou a imigração disparar sem lhe dar a atenção necessária. Não que o caos se tenha instalado – não instalou – mas o país não acompanhou na oferta de serviços (saúde, habitação, educação…) o enorme aumento da procura. As tensões estão à vista de todos no SNS e também na falta de policiamento.
De certa forma, a ambição política de Montenegro era adequada e necessária, mas porque é difícil calibrar estas políticas e porque elas foram condimentadas por um evidente oportunismo eleitoral, a ideia está a transformar-se numa caricatura que ganhou vida própria. Ao pretender responder à agenda anti-imigração da extrema-direita, o Governo está, entre outros erros, a abdicar do património diplomático português. João Lourenço, presidente de Angola, notou a deriva e protestou com elegância nesta visita a Lisboa – note-se que é raro um líder político puxar as orelhas a quem o recebe, mas o gesto justifica-se.
O desrespeito pelas expectativas criadas por este mesmo Governo é demasiado chocante para não ser apontado. A diferença entre tratar parceiros como aliados ou como visitantes indesejados nunca foi tão nítida como agora. A ausência de Portugal na última reunião da CPLP aprofunda mais esta deriva. Mais uma vez, a retórica puída da lusofonia rasgou-se ao primeiro soluço.
Este Governo quer ser visto como assertivo: endurece o discurso sobre imigração e surfa – na onda errada – o debate dos costumes. A tentação de competir no terreno do Chega pode até ser eleitoralmente aliciante, mas também é politicamente perigosa – é uma miragem. Governos que traem princípios para ganhar votos acabam sem uma coisa nem outra. O país pagará muito caro este erro que tem de ser corrigido.